Os gentis e os brutos

Os gentis e os brutos

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“Chique é ser feliz!
Elegante é ser honesto.
Bonito é ser caridoso.
Charmoso é ser grato.
O resto é inversão de valores!”
(Autor desconhecido)

Em uma de nossas pequenas viagens, minha mulher comprou por impulso um daqueles quadrinhos de madeira com dizeres inspiradores. Estava em cima do balcão junto de tantos outros. Um restaurante maravilhoso, combinado com uma livraria. Tudo simples e com bom gosto. Daqueles que provocam o desejo de levar para casa um símbolo da lembrança. Algo que possas pegar e sentir, mesmo de forma tênue, o prazer de ter estado ali.

As frases do quadrinho são pré-fabricadas e politicamente corretas. Não obstante, são verdadeiras. O pequeno quadro acabou na parte dos fundos da casa, onde recebemos nossos amigos. Tinha me esquecido dele, até uma noite dessas, quando uma amiga se virou e mencionou, casualmente, que o quadro era a cara da minha mulher.

As duas não se deram conta no momento, mas foi um dos elogios mais sinceros que ouvi. Minha mulher é gentil, quase sempre. Somente a muito custo consegue-se tirá-la dessa disposição à gentileza. E quando acontece, bem, isso é assunto para outra crônica, dramática.

O interessante é que, quando resolvi escrever o texto sobre a gentileza, lembrei imediatamente do quadrinho, mesmo que ele, em nenhum momento, fale literalmente sobre gentileza. Mas ela está ali. Oculta em cada frase. Meio envergonhada, como toda boa gentileza deve ser. Não quer se mostrar. Não quer gritar sua existência, pois gritar não é gentil.

Pensei em começar este parágrafo dizendo que o mundo atual perdeu a gentileza. Isso seria apenas um saudosismo burro. O mundo nunca foi um lugar muito gentil. Tivemos, apenas, alguns períodos em que houve mais gentileza. Após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, quando todos se olharam no espelho e viram o que tinham feito. Sim, havia muita culpa, pena e outros sentimentos envolvidos. Aquele estado de espírito, contudo, levou a uma tolerância maior com o próximo e a certa cordialidade entre os diferentes. Havia uma predisposição à gentileza.

Foi nesse estado de espírito que Mahatma (grande alma) Gandhi viu se concretizar a independência da Índia. Sua política Satyagraha, baseada na força da verdade e do amor, acabou por dar resultado e libertar o povo indiano do domínio do enfraquecido império britânico. Uma resistência ideologicamente pacífica, embora tenha diversas vezes eclodido em episódios violentos, e que pregava, inclusive, a obrigação de não se propalar o ódio contra os próprios opositores.

Ao contrário da gentileza, a estupidez tem necessidade de se mostrar. A grosseria é insegura e somente se afirma através de demonstrações de força. E ela está cada vez mais exibida.

As lições da Segunda Guerra vão, aos poucos, sendo esquecidas. A gentileza está sendo eclipsada pela rudeza. Estamos cercados por discursos mesquinhos e intolerantes, tanto entre nossos conhecidos quanto em público. Pessoas tomam nossas timelines e os microfones destilando mesquinharias, egoísmo e intolerância. São aplaudidas por milhares. Milhões. Uma legião de grosseiros que forma uma legião de refugiados. Pessoas famintas, vagando com suas crianças no colo em estradas empoeiradas, à espera de comida e esperança. A espera de uma mão gentil.

Os gentis não devem desistir. Continuaremos a nossa resistência pacífica, cotidiana e constante. Os brutos não TRiUMPharão. O ódio é sol com grande gravidade. Ele atrai aqueles que vagam sem valores e acaba por consumi-los no fogo das suas próprias ideias.

E, o mais estranho, é que não ficaremos felizes com isso, pois somos gentis.

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