Microbiografias. Oliver Sacks

Microbiografias. Oliver Sacks

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“Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal que pensa, neste belo planeta, e só isso já é um enorme privilégio e uma aventura.”
(Sacks, Oliver. My Own Life)

Escrever uma microbiografia de Oliver Sacks é como pegar uma maçã linda, vermelha e suculenta, retirar a casca e… continuar cortando. Eliminar grandes nacos, perfeitos e saborosos, jogando-os no lixo.

Sacks teve uma vida enorme, produtiva e fascinante. Nesse universo que foi a sua existência, escolher sobre o que deveria escrever, entre as dezenas de temas possíveis, é doloroso. Cada escolha faz com que outras partes, igualmente interessantes, fiquem de fora.

Oliver nasceu em Londres, no ano de 1933. Foi criado em uma família judia que beirava a ortodoxia, sendo mandado com o irmão para um internato durante a Segunda Guerra Mundial. Um lugar onde sofreu castigos constantes, a ponto de se referir ao diretor como um homem sádico. Foi médico, pesquisador e escritor, não se podendo definir qual destas atividades preponderou sobre as demais.

Um dos seus livros, Tempo de despertar [em inglês, Awakenings], acabou por virar um filme com o mesmo nome, lançado em 1990 e estrelado por Robert de Niro e Robin Williams. Se você não o viu, pare de ler agora e vá assisti-lo.

O livro/filme conta a história de Sacks, um então jovem médico de 33 anos, quando passou a tratar cerca de oitenta pacientes com uma espécie rara de doença, a encefalite letárgica (doença do sono). A enfermidade tivera uma grande epidemia por volta da década de 1920. Mais de quarenta anos depois, os sobreviventes estavam esquecidos em hospitais. Eram pessoas conscientes, mas presas dentro de si mesmas. Consideradas incuráveis, estavam destinadas a permanecer imóveis e isoladas até a sua morte.

Sacks percebeu semelhanças entre essa doença e o mal de parkinson e passou a administrar aos pacientes uma droga ainda experimental, a L-dopa (precursora da dopamina). Superando as expectativas mais otimistas, rapidamente os pacientes reagiram ao tratamento. Houve um “despertar” coletivo de indivíduos que passaram décadas prisioneiras de seu próprio corpo, alguns deles desde a infância. Uma explosão de vida e felicidade, que foi documentada de várias formas, inclusive em vídeo (disponíveis na internet). A elevação da felicidade, contudo, precedeu a lenta queda em direção à escuridão. Os pacientes retornaram gradativamente ao estado anterior, enquanto adquiriam resistência à droga, além de apresentarem outros efeitos colaterais. Sacks, nesse processo, viu aqueles que despertou, pessoas com as quais criou laços de afeto e de amizade, murcharem novamente para dentro de seus casulos, em uma longa e agônica despedida.

A história, verídica, é de dilacerar o coração da mais insensível. Ela, contudo, é apenas mais uma na vida de Sacks, que sempre as retratava de forma humana e sensível.

Mesmo sendo um homem extraordinário, erudito e com capacidade intelectual bem acima da média, Oliver não conseguiu fugir aos efeitos do preconceito.

Aos dezoito anos, em uma conversa franca provocada por seu pai, admitiu que não se interessa em mulheres, mas sim por outros rapazes, embora nunca tivesse consumado esse desejo. A mãe de Sacks era uma cirurgiã que havia adquirido a especialização com apenas 27 anjos de idade. Era um fenômeno, mesmo para a Inglaterra, considerando que isso se deu no início do século XX. Essa mulher, uma cientista culta e mãe encontrou Sacks no café da manhã do dia posterior e o chamou de abominação. Disse-lhe, também, desejar que sequer tivesse nascido.

A condenação da sexualidade pela religião, pela família e pelo próprio Estado – a homossexualidade era então um crime na Inglaterra, passível de várias penas, incluindo a castração química, como a que ocorreu com o brilhante Alan Turing – teve várias consequências marcantes na vida Sacks. Tornou-o, primeiro, um motociclista errante, que fazia longas viagens como geralmente fazem aqueles que buscam a si mesmo. Aprofundou sua timidez e facilitou seu ingresso e permanência no mundo das drogas. Ainda mais importante, fez com que as suas experiências sexuais fossem escondidas, fugidias e cheias de culpa. Até que, quando ele se aproximava dos quarenta anos, elas cessaram completamente.

Sacks, este homem sensível, inteligente e determinado que descrevi nos parágrafos anteriores, passou 35 anos da sua vida sem nenhum contato íntimo – sem ser abraçado como um amante e sem fazer sexo – com qualquer outra pessoa.

A repressão atingiu o efeito desejado por quem a pratica. Ele calou em si toda e qualquer dimensão do amor. Transformou-se num celibatário. E, por quê? Apenas porque a sua sexualidade não estava de acordo com o que as outras pessoas pensavam como normal, limpo ou escrito no seu livro religioso, seja ele qual for.

Sacks somente se permitiu relacionar com outra pessoa novamente, quando tinha 75 anos de idade. E permaneceu feliz com o seu parceiro, Billy Hayes, até morrer, aos 82 anos de idade.

Antes de morrer, escreveu uma biografia excelente, Sempre em movimento [em inglês, On the Move: A Life] lançada em 2015, em que aborda de maneira sincera e, como sempre, bem escrita todos esses temas. Nela, Sacks não condena os que o condenaram por amar a quem eles não queriam. Perdoa sua mãe, entendendo-a como um produto do pensamento do seu tempo e da sua religião. Despede-se da vida com elegância e gratidão.

Se o preconceito teve esse efeito nefasto na vida de um homem da envergadura de Sacks, imaginem o que fez, faz e fará com a vida de outras pessoas?

O preconceito faz parte do nosso cotidiano. Aceitá-lo é o mesmo que colocá-lo em prática.

Vivemos tempo em que se exige justiça.

E você, é justo?

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