Larga forte, dá tudo no meio e “soca” no final!
(Instrução que ouvi um técnico, para o seu aluno, a caminho de uma prova.)
Eu estava encostado na cerca que dividia a pista de corrida da plateia. Encostado não, escorado. As minhas panturrilhas já não suportavam mais qualquer peso depois da corrida. A plateia, ansiosa, comprimia o espaço da chegada da maratona. Aguardávamos um amigo. Depois de ver dezenas de pessoas cruzarem a linha de chegada, incluindo alguns bem mais velhos, o sobrinho desse amigo fez uma daquelas observações que somente somos capazes quando ainda temos a lógica precisa dos seis anos de idade.
— Mas ele não vai ganhar.
Silêncio entre nós. A tia tentou explicar.
— Não é uma corrida para ver quem ganha.
— Hum — ele pensou um pouco —, mas ele não pagou para correr?
— Sim, pagou.
— Mas ele não podia só correr, sem pagar?
— Pode, mas não nessa corrida.
— E por que ele queria correr aqui?
Eu me solidarizei com o garoto. Ele não estava entendo nada. Por que uma pessoa pagava para quase morrer correndo, sabendo que não “ganharia” nada em um sentido puramente material? Qual era a graça daquilo?
É difícil explicar, para quem não corre, o motivo pelo qual corremos. Aliás, é difícil explicar para mim mesmo, durante uma prova, por que estou fazendo o que estou fazendo.
Há o discurso pronto. A corrida tem a ver com superação, disciplina, perseverança e resiliência; é você testando os seus limites; uma opção de vida saudável. As justificativas são charmosas, mas será que são verdadeiras?
Não. Ninguém corre uma maratona ou mesmo uma meia-maratona por que quer uma vida mais saudável. Se fosse por isso, teria corrido cinco quilômetros, feito uma massagem e comido um sushi. E se mudado para um lugar sem engarrafamentos.
Eu corro porque sou um viciado.
Aliás, sou viciado em esportes. Futebol, vôlei, tênis, bicicleta… qualquer um. O esgotamento físico faz a minha mente serenar e a minha hiperatividade ficar controlada. O dinheiro e o tempo que gasto suando, imagino que economizo em terapia e psicotrópicos.
Cada pessoa tem o seu motivo e, geralmente, ele não bate com o que você lê naqueles bonitos panfletos sobre vida saudável. Minha mulher, por exemplo, emociona-se com corridas. Vê a São Silvestre e chora. As pessoas são complexas.
Esse ano, para piorar, fixamos um desafio: correr, em setembro, a nossa primeira maratona. Praticamente parei com os outros esportes. Abri espaço na agenda para treinamentos de madrugada ou à noite, antes ou depois do trabalho. Cinco dias por semana. Treinos longos, treinos curtos, treinos rápidos, fortes, fracos… há treino de corrida até para descansar dos treinos de corrida. Um sofrimento de dar dá dó em masoquista.
Depois de quase um mês praticamente sem treinar por uma lesão na panturrilha, resolvi correr, de todo modo, uma meia-maratona que fazia parte do cronograma de preparação. Era tudo ou nada, decidi.
Lá fui eu: meia de compressão, proteção de neoprene, anti-inflamatório… faltava só uma armadura. Com quinze quilômetros, esbanjava vitalidade. Nada de dor. Pulsação baixa. “É agora, vou acelerar até o fim”. No quilômetro dezessete, estava abraçado a um poste, tentando alongar as duas panturrilhas, que tiveram câimbras ao mesmo tempo. E assim foi, até o final. A cada quilômetro, elas adquiriam vida própria. Começavam a tremer, como se o alien fosse sair dali de dentro, e travavam. No quilômetro vinte, um senhor de quase setenta anos passou voando por mim e gritou: “não para, levanta a cabeça!”. Sorri doloridamente e continuei, meio agradecido, meio envergonhado. No final, corria como o palhaço Bozo, com a ponta dos dois pés esticadas para cima, pois se contraíssem, os músculos não voltariam ao normal. A cada passo, eu somente pensava duas coisas: 1) eu vou até o fim, nem que seja rolando; 2) eu vou desistir desse negócio de maratona.
E desisti, mas só por quase vinte e quatro horas.
Paro por aqui, pois é hora de correr.
E setembro já está chegando.