Marcas da Guerra: A literatura e o universo de Star Wars

Marcas da Guerra: A literatura e o universo de Star Wars

Quando o primeiro filme de Star Wars foi lançado, em 1977, eu tinha três anos de idade. Vivíamos em um mundo diferente. Não existia a Internet. Computadores pessoais acessíveis à população eram ficção científica. A ditadura mandava e Chico cantava “apesar de você”.

Desde esse mundo remoto, que se afunda no passado, eu me recordo de ver em brinquedos e algumas revistas, o logotipo Star Wars. E ele sempre me fascinou. Mesmo antes de eu sequer imaginar como era o primeiro filme.

De certa forma, eu cresci junto com esse fenômeno da cultura pop e, em nenhuma fase da minha vida, mesmo agora em que estou (um pouco) mais velho e (muito mais) amargo, a franquia deixou de me atrair.

Apesar de todo o meu interesse, com exceção de algumas poucas revistas, nunca me despertou a atenção a extensa literatura que se produziu no universo criado por George Lucas. Em primeiro lugar, porque duvidava da qualidade do que era produzido, embora alguns livros fossem bem recomendados. Em segundo, porque não havia um controle sobre a coerência e unidade dessa produção. Basicamente, cada autor dava a sua visão para os personagens e criava linhas narrativas e de tempo isoladas e independentes. Assim, por exemplo, se um livro lhe contasse o casamento de Princesa Diana com o Han Solo depois do Retorno de Jedi, o próximo poderia descrever que o contrabandista era, em verdade, apaixonado pelo Chewbacca.

As coisas mudaram com a compra dos direitos pela Walt Disney Company, em 2012. Com a perspectiva da produção em série de nova histórias, foi necessário ocorrer uma centralização no desenvolvimento daquilo que se costumou chamar de “universo expandido” – ou seja, de todas as mídias, desde jogos até desenhos animados, que contam alguma coisa sobre Star Wars.

E o que fazer com tudo aquilo que havia sido produzido anteriormente?

Criaram-se duas categorias: o “cânone” e a “legends”. O cânone é a história oficial. O que “realmente aconteceu” em Star Wars. Todo o mais é legends, ou seja, lendas que foram sussurradas ao redor das fogueiras holográficas por todas as galáxias.

Arrumada a casa, ouvi a “força” e resolvi dar uma chance para a literatura de Star Wars. O escolhido foi Marcas da Guerra, que atingiu o quarto lugar na lista dos mais vendidos do The New York Times e foi escrito por Chuck Wendig, que tem diversos livros e contos publicados no universo da ficção científica, além produzir RPGs e roteiros.

A primeira coisa que você deve ter em mente quando decide ler essa espécie de livro é exatamente saber que está prestes a ler essa espécie de livro. Confuso? Redundante? Não. Star Wars não é um livro de ficção científica. É um livro de fantasia, que usa elementos de ficção científica. O foco não está na ciência ou na tecnologia. O foco está na história do herói, na sua jornada mítica e nos símbolos que ali são utilizados.

Assim, você deve preparar o seu espírito e suspender a sua descrença. Nada de se importar com o som de explosão no vácuo ou com o fato de todos os planetas terem oxigênio abundante e a mesma força da gravidade. São apenas cenários. Você poderia transportar Star Wars para a idade média, para Terra Média ou para Westeros que, com poucas adaptações, ela permaneceria íntegra.

Marcas da Guerra [em inglês, Star Wars: Aftermath] está situado logo após a destruição segunda Estrela da Morte, ou seja, entre O Retorno de Jedi e O Despertar da Força,e tem como foco personagens laterais à trama principal da família Skywalker. Algo semelhante ao que vimos no filme Rogue One: uma história Star Wars.

No livro, temos a piloto Norra, que participou do ataque à Estrela da Morte, retornando ao seu planeta natal, Akiva, para buscar o filho, Temmim, agora com 16 anos, deixado para trás quando ela se juntou aos rebeldes. O planeta, localizado na orla exterior, a periferia da galáxia, é palco naquele momento de uma reunião secreta com algumas das forças imperiais remanescentes, que tentam se reorganizar depois da derrota e da perda do Imperador Palpatine e de Darth Vader.

Os caminhos de Norra e Temmim se cruzarão com os de Wedge Antilles, o líder vermelho dos esquadrões de x-wing visto em O Retorno de Jedi; de Jas Emari, uma talentosa caçadora de recompensas; de Sinjir Rath Velus, um ex-agente de lealdade do império em crise de identidade (primeiro personagem gay a ser introduzido neste universo); e de Rae Sloane, a almirante do último superdestróier imperial – o Dilacerador –, que pretende liderar as forças restantes do Império.

O ritmo da escrita faz jus às melhores aventuras de Stars Wars. Os eventos se sucedem rapidamente, em capítulos curtos, não deixando o leitor descansar nas 400 páginas do romance. Chuck Wendig revela-se um autor imaginativo ao construir as dezenas de miniaventuras que envolvem os nossos heróis e outros personagens secundários. Algumas das soluções forçam os limites da descrença, mas isso ocorre, também, nos filmes.

Há preocupação em agradar os fãs, distribuindo no texto elementos conhecidos e comuns às histórias anteriores, como stormtroopers burros e frágeis e um robô engraçadinho, o droid de batalha Mister Bones, (re)construído por Temmim e que o protege. Há participações de Mon Mothma, agora como chanceler da Nova República, do almirante Akbar, de Han Solo e Chewbacca, além de flashes do que está ocorrendo em outros mundos, como Tatooine.

Assim como em Rogue One, pretende-se inserir na trama alguma zona cinza, ao invés do bem delineado embate do bem contra o mal existente na filmografia. As motivações dos personagens, tanto os rebeldes quanto os imperiais, são bem construídas e geram a empatia necessária para fazer o leitor torcer pela sobrevivência dos heróis e pela punição dos seus opositores.

Embora possa ser lido como um livro isolado, Marcas da Guerra é o primeiro de uma trilogia, cuja continuidade é dada por Aftermath: Life Debt epor Aftermath: Empire’s End, ambos ainda sem tradução para o português.

A sensação final é a de diversão, exatamente o que se espera desse tipo de obra. Os fãs da série não se decepcionarão. Vejo, inclusive, a possibilidade de pessoas que tenham predileção por ação e aventura e que não conheçam Star Wars gostarem da leitura.

Pensando bem, não existe quem goste de ação e de aventura e não conheça Star Wars.

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