A Hipocrisia da Classe Média Branca - Jesse Owens, Tommie Smith, John Carlos e Peter Norman

A Hipocrisia da Classe Média Branca - Jesse Owens, Tommie Smith, John Carlos e Peter Norman

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Estamos na Alemanha nazista, no ano de 1936, em meio aos jogos olímpicos organizados para demonstrar a superioridade da raça ariana. O Estádio Olímpico está lotado para aquela celebração nacional. A multidão levanta em conjunto o seu braço direito. Hitler acompanha a prova de luxo do atletismo – de 100 metros rasos – que indica o homem mais rápido do mundo. O Citius, do lema olímpico Citius, Altius, Fortius (o mais rápido, o mais alto, o mais forte).

Jesse Owens, um homem magro e com olhar determinado, está na linha de largada dos 100 metros. Neto de escravos e caçula de dez filhos, começou a trabalhar aos sete anos, em uma plantação de algodão, embora tivesse uma saúde frágil, sendo suscetível à bronquite e à pneumonia.

Dez segundos e trinta décimos depois, Jesse triunfaria. Reza a lenda que Hitler se retirou do estádio olímpico, recusando-se a cumprimentá-lo. Owens desmentiu a versão em sua biografia, afirmando que o líder alemão acenou para ele. Com ou sem aceno, a corrida representou uma derrota pública e global das ideias nazistas. O governo alemão afastava das suas delegações judeus e outros atletas que não correspondessem ao ideal de físico ariano, com inspiração grega.

Owens, que ainda ganharia os 200 metros rasos, o revezamento 4 x 100 e o salto em distância, no qual estabeleceu um recorde mundial que perdurou por 26 anos. Celebraram-se suas vitórias nos Estados Unidos, onde foi recebido com festas. Acabada a recepção, encarou a realidade, ao ser proibido de utilizar o elevador social no seu hotel, por ser negro.

Anos depois, disse que o seu verdadeiro problema não havia sido com Hitler, mas sim com Franklin Delano Roosevelt, o então presidente dos Estados Unidos, que sequer mandou um telegrama para cumprimentá-lo. A vida do “herói nacional” seguiu o curso normal de qualquer negro da época. Não podia entrar pela mesma porta que os brancos no ônibus; não podia ser contratado para comerciais, pois os produtos poderiam sofrer embargos dos consumidores em determinados estados; entre outras privações.

Trabalhou como frentista e teve que correr contra cavalos e cães para poder se sustentar. Ironicamente fumante, morreu em 1980 com um câncer no pulmão.

Trinta anos depois, Tommie Smith ganha os duzentos metros rasos na olimpíada do México, cravando o recorde de 19,83 segundos. Quando no pódio, o gesto chocante. Ele e John Carlos, outro atleta americano e ganhador da medalha de bronze, erguem um punho fechado para cima. Na mão, uma luva negra. As cabeças voltadas para baixo, em uma expressão de pesar. Completava o pódio Peter Norman, um australiano que, em solidariedade aos outros dois, usou o distintivo do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos.

Tommie e John integravam o grupo dos panteras negras, que lutava pela igualdade racial nos Estados Unidos. O gesto singelo de protesto “chocou” o mundo branco. O público silenciou. Os dois americanos foram banidos dos jogos olímpicos e voltaram para casa. Peter, que apenas usou o símbolo em favor dos direitos humanos, nunca foi perdoado por seus “iguais”. Sua carreira também se encerrou ali, sendo alvo do mesmo preconceito que tentou combater. Virou um negro-branco.

O gesto no pódio sofreu duras críticas de toda a sociedade americana, principalmente da imprensa. O racismo está tão entranhado na cultura, que o próprio Jesse Owens criticou o gesto, não vendo a importância e simbolismo do momento.
Tommie e os demais foram ameaçados de morte. Anos depois, a esposa de Carlos se suicidaria. Norman nunca mais disputou uma prova olímpica, embora o seu tempo na prova de 1968 lhe garantisse o ouro na prova de 1972. Ele não teve qualquer destaque ou honraria nas olimpíadas da Austrália.

Quatro histórias, separadas por décadas, onde se revela que os brancos até podem ter heróis negros, desde que eles saibam o seu lugar.

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