A flor e o bullying

A flor e o bullying

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A menina ajoelhou-se e colocou as mãos em concha ao redor da pequena flor amarela. No último instante, arrependeu-se e não a arrancou. Teve certeza que seria melhor deixá-la ali. Com a sua beleza intocada, em meio ao chão do pátio da escola. Começou a se levantar, quando o seu mundo se transformou em confusão.

Sua mão tentou encontrar apoio, mas resvalou nas pequenas pedras do chão de areia dura e acabou batendo o lado do rosto na terra. Seus óculos voaram longe. Quando terminou de girar, ouviu risadas ao longe. Não entendeu o que tinha acontecido, até ver Jorge, seu colega de sala, parado a alguns passos. Ele havia passado correndo e a empurrou. Antônio, que vinha logo atrás dele, parou para tentar levantá-la. Jorge interrompeu a sua risada para dar o comando.

— Deixa a japa! Ela encontrou o caminho para o Brasil, consegue achar o chão para se levantar! — Mostrou algo em sua mão e saiu correndo de novo.

Antônio lançou um último olhar para Aomame. Ele começou com compaixão e terminou endurecido pela lembrança do que Jorge havia dito. Recolheu a mão que estendia em direção à colega e correu atrás do amigo, que havia roubado o seu celular e ameaçava ler as suas mensagens.

Aomane tateou em volta por alguns instantes, em busca dos seus óculos. Quando conseguiu ficar em pé, a dor latejante na sua mão escalavrada só não era pior do que a pressão nas suas bochechas, coradas de vermelho pela vergonha. Limpou-se da melhor maneira que pode e foi se sentar em um banco de madeira próximo. Se pudesse, entocava-se sozinha dentro da sala de aula, procurando refúgio dos diversos olhares e pequenas risadas que os outros alunos lançavam para ela. Era proibido retornar à aula antes do final do recreio. Assim, ela ficou ali, sozinha, tentando se tornar invisível.

Em algum momento, levantou os olhos e viu que havia caído sobre a flor. O único ponto de cor e vida em todo aquele grande areão agora era um borrão amarelo. Aquilo fez com que se identificasse com a pequena flor. Era exatamente assim que se sentia. Alguém que se esforçava para brotar em um solo desértico e que a vida insistia em esmagar.

O sinal, ao final de uma longa eternidade, tocou. Ela se arrastou para dentro da sala, onde colegas riam por ela não ter percebido que a terra ainda sujava parte das suas costas. Mais duas horas em que se policiaria a não responder às perguntas para as quais sabia a resposta, a não rir, falar ou mesmo arrastar a sua cadeira, com medo de chamar atenção.

— xxx —

No outro dia, Aomane sorriu ao perceber que a flor não havia morrido. Crescia, sem uma das pétalas, endurecida pela dificuldade. Perguntou-se quantas outras, menos resistentes, não estariam ali, ao lado daquela, se não fossem cultivadas?

— xxx —

Ele tentou arrumar a sua roupa, que insistia em não caber no armário de metal. O uniforme era dois números menor do que o seu tamanho, mas não havia outro disponível. O desconforto era quase bem-vindo. Não queria começar o primeiro dia reclamando. O aperto que sentia era um alívio perto da agonia dos dez meses desempregado. Apressou-se para encontrar o supervisor, que fez um rápido giro pelos setores de produção da empresa. Quando retornaram, o supervisor o pegou pelo braço e falou baixo.

— Essa é a diretora de produção. Ela que aprovou o teu currículo quer te dar boas-vindas. — Depois, abriu um sorriso e foi em direção à mulher que caminhava na direção deles.

— Bom dia, senhora Aomane, este é o Jorge, o novo operador de máquinas

Ela estendeu a sua mão.

Nota:

Bill Gates foi chamado para fazer um discurso de formatura da University of Southern California. Na época, já era dono na Microsoft e um dos homens mais ricos do mundo. Em cinco minutos de fala, enumerou onze regras que o sistema educacional não incluía em seu currículo. A primeira era “a vida não é fácil, acostume-se com isso”. A última, era “seja legal com os CDFs (aqueles estudantes que os demais julgam que são uns babacas). Existe uma grande probabilidade de você vir a trabalhar PARA um deles”.

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