Eu estava na fila de embarque do último trecho do voo que me traria para casa. Sentia aquele cansaço de quem passou mais de 20 horas encaixotado dentro de um voo, na classe “você não tem dinheiro suficiente para ser tratado com dignidade”.
Encaixotadas comigo, vinham a minha mulher e a minha filha, de menos de três anos de idade, que se recusava a observar os limites daquela prisão chamada poltrona. Ficava em pé, subindo de um braço de cadeira a outro, de forma ritmada, tentando alcançar o painel com comandos sobre as nossas cabeças. Algo como um sagui jogado dentro de uma gaiola.
Assim, eu não estava em um bom estado de espírito, quando atrás de mim começou uma longa explicação no mais perfeito sotaque carioca:
— Não! Isso o general falou por ordem dos Estados Unidos. O Brasil se recusou a apoiá-los em uma invasão da Venezuela e eles deram o “ok” para os militares começarem a se mexer por aqui. Teve uma reunião no comando do exército …
Tentei desligar da voz e puxei papo com a minha mulher. Aquela ladainha, contudo, continuava entrando no meu cérebro, como água se infiltrando em uma laje mal impermeabilizada. Exercitei minha paciência até o limite, enquanto o resto daquela história da carochinha era contada com ar professoral, de quem é convicto do que está afirmando.
Quem não tem um amigo assim, o “chato que sabe dos bastidores”? Ele tem um acesso privilegiado. Sabe de informações desconhecidas dos outros. E não só. Tem visão privilegiada do que está ocorrendo ao nosso redor e, principalmente, daquilo que não percebemos. Tudo, para eles, vira uma teoria da conspiração. Dividem o mundo entre eles e os outros. No caso, os outros somos nós, os que não sabemos de nada.
Nas festas, entram no meio das conversas, dão uma risada irônica e começam um longo monólogo sobre qualquer assunto. Falam as mais variadas barbaridades. Se são interrompidos ou contestados, olham para você com piedade de quem está tentando explicar por que chove para uma criança de dois anos. Se são desmascarados por dados e fatos, ficam irritados e partem em busca de outras vítimas.
Há uma epidemia de chatos dos bastidores entre os motoristas de táxi. Você entra no carro, cumprimenta, diz para onde quer ir e, quando vai sacar o telefone e ver suas últimas mensagens, ele começa a te contar tudo o que é dito em reuniões secretas de Brasília. E vai emendando uma história na outra. Mais uma vítima, presa ali com ele. Você é dele até você conseguir sair daquele carro e ficar aliviado pelo silêncio.
Esses chatos já eram um problema antes da proliferação da Internet. Agora, quando todas as bobagens possíveis estão disponíveis on-line, eles têm um manancial inesgotável de fatos absurdos ao seu dispor, que alteram e combinam de acordo com a sua imaginação, para torturar qualquer um que lhes dê ouvidos. Exércitos escondidos na Amazônia, tentativas de separar os estados do Sul, apenas para obstar o prosseguimento de investigações policiais, curas miraculosas para todos os tipos de câncer… as possibilidades são infinitas.
O problema é que desmascarar o chato não o cura da sua falta de juízo crítico e da necessidade de parecer o que não é – inteligente e bem informado. Ele continuará o mesmo e você arranjará um inimigo. Assim, com forma de viver em paz, restrinjo as contestações a eles apenas ao indispensável e deixo o discurso cair no vazio.
Muitos, entretanto, não deixam órfãos os discursos dos chatos de bastidores. Eles os adotam como seus. Não só acreditam como espalham as teses absurdas. Há legiões de pessoas prontas a acreditarem em qualquer coisa, desde que dita com convicção. Uma das melhores maneiras de fazer marketing político sujo é criar alguma calúnia sobre o adversário e encontrar alguns chatos de bastidores para espelhá-las entre os seus seguidores.
O que fazer? Fuja dos chatos de bastidores! Se um deles for seu amigo, reveja o seu critério de amizade. Não siga e não dê continuidade a teses absurdas ou caluniosas. Antes de reproduzir qualquer coisa que maldiga outra pessoa, ao menos procure checar se é mesmo verdade. São regras simples, mas que tornam você e o convívio em sociedade muito mais saudável.