“Prometia um novo livro ou um caderno com marcadores amarelos e vermelhos, os meus favoritos. Prometia que, se eu descobrisse cada resposta, me daria um abraço ainda mais apertado e sempre mais amigo. Por melhores que fossem os cadernos, o orgulho que sentia daqueles abraços era a vitória, eles eram a fita-métrica da sua amizade por mim.”
As mais belas coisas do mundo é uma pequena preciosidade.
A qualidade e a beleza da edição chamam à atenção. Transformam o livro em um dos casos nos quais merece começar a ser julgado “pela capa”. E essa capa dura tem cantos arredondados e um chamativo amarelo, combinado com ilustrações em tons pastéis. A apresentação externa é completada pela lombada em cor prata e pelo corte das folhas revestidos em prata brilhante. Dentro, o papel offset 150 g/m2, de alta qualidade, combina páginas de texto com outras ilustrações (de Nino Cais) na forma de recortes.
Sem sombra de dúvida, um dos projetos gráficos e das execuções mais luxuosos e bem resolvidos que tive o prazer de ter em mãos em livros de língua portuguesa. Em tempos de crise do mercado editorial, é encorajador e reconfortante, para quem ama os livros, ver exemplares com esta qualidade. Meus parabéns à editora Globo ao seu selo Biblioteca Azul.
Mas todo este cuidado transformariam o livro em apenas um peça bonita e descolada de decoração, não fosse o texto. E a força do texto transcende a beleza da edição.
“Aprendi que o dinheiro tem valor em troca de muita coisa, mas muita coisa só tem valor se for de graça. Aprendi que preço é quase sempre o lado corrompido do valor.”
Em As mais belas coisas do mundo, Valter Hugo Mãe mergulha em suas memórias para descrever a relação com o avô materno, Antônio Alves. É, em verdade, um conto transformado em livro. Algo para se ler de uma sentada, passando os olhos nos quais vão se avolumando a emoção pelas suas quarenta e três páginas. Depois, algo para se reler com cuidado, o mesmo cuidado que se revela na construção de cada frase e na montagem de cada parágrafo. Por fim, é algo para passear os olhos, combinando o texto com suas ilustrações e deixando a mente vagar pelas frases que nos agradaram ou feriram.
“Aprendi que minha vó ficou doente e precisou morrer. […] Não poderíamos lhe falar, mas ela seria um património dentro de nós, uma recordação que a saberia manter como viva. Meu avô corrigiu: podemos falar com ela, ela vai responder de modo diferente. Sua resposta é a nossa própria ideia.”
Valter Hugo Mãe é o escritor angolano que bebe diretamente da fonte de José Saramago, tanto pelo uso de recursos estilísticos (este despreza a pontuação e aquele não escrevia maiúsculas nos seus primeiros livros) quanto na qualidade da sua escrita. É, sem dúvida, um dos melhores e mais reconhecidos autores contemporâneos na língua portuguesa. Se você nunca o leu, As mais belas coisas do mundo é a porta de entrada perfeita. Simples, rápido, bom e profundo, o conto certamente o deixará com gosto de quero mais.
“Para a beleza é imperioso acreditar. Quem não acredita não está preparado para ser melhor do que é. Até para ver a realidade é imperioso acreditar. A minha mãe diz que eu virei um sonhador. Para mudar o mundo, sei bem, é preciso sonhar acordado. Apenas os que desistem guardam o sonho para o tempo de dormir.”