Festa de final de ano

Festa de final de ano

Download desta Crônica em PDF

O Paulinho da Viola tem um samba maravilhoso, no estilo conto musicado. Chama-se “Coisas do Mundo Minha Nega”. A história conta o retorno de um violeiro para a casa da mulher que ama, narrando as pessoas que encontrou no caminho. A última frase da música é “as coisas estão no mundo só que eu preciso aprender”.

A maior parte do que o escritor faz é isso: ouvir, absorver e recontar. As histórias estão ao redor. Se você esticar os ouvidos e estiver atento, elas virão atrás de você, como se fosses o flautista de Hamelin.

Pois nesta virada do ano, embora tivesse dormido tarde, acordei cedo, por volta das 8 da manhã. O caminhar para a velhice nos traz duas coisas, entre muitas outras: pouco sono e hábitos. Assim, como em todas as manhãs, comecei o dia fazendo o meu mate (para os que não são do Sul, o chimarrão), com uma pitada de dor de cabeça, quando ouvi uma gritaria. Prestei atenção. “Rodada! Rodada! Rodada!” Vinha de algum lugar próximo. Olhei pela janela. O Sol já ia alto e rachava tudo. Admirei aquela animação. Mas fiquei ali, apenas mateando, quieto no meu canto, medindo se a minha dor de cabeça merecia algum remédio. Uns cinco minutos depois, começou a gritaria de novo. “Rodada! Rodada! Rodada!”

Bom, daí fiquei curioso. Quem gritava não só tinha virado a noite, como continuava fazendo festa sob um Sol senegalês e virando com animação uma rodada de bebida a cada cinco minutos. Mereciam o meu respeito. E talvez uma camisa de força. Mas então, de chinelos, aquela cara de sono e a cuia na mão, fui para a rua descobrir quem eram.

As casas da minha vizinhança são meio abertas. Não tem muros e possuem várias paredes de vidro. O acréscimo de liberdade é retirado diretamente da privacidade. E a festa era na piscina de um amigo meu, logo em frente. Olhei de longe, meio enciumado com toda aquela agitação. Pensei em ir até lá, mas a dor de cabeça meu deu uma puxada pela manga, para lembrar que estava ali. E, obviamente, eu não estaria vibrando na mesma frequência dos demais. Como dizia Vinícius de Morais, depois da segunda dose, o abstêmio da mesa começa a ficar inconveniente. Assim, fiquei ali, feliz pela felicidade dos amigos.

Passados os dias, encontrei o meu vizinho e fui “reclamar” da barulheira para ele. E então soube de uma história ótima.

Um dos participantes, também meu amigo, com cerca de dois metros de altura por dois de largura, lá pelas tantas sentiu que o seu cérebro havia começado a desligar os disjuntores. Enrodilhou-se como um gato em um pequeno sofá onde caberia apertada uma criança de 6 anos de idade, e ali dormiu, na beira da piscina.

Uma hora, a festa começou a acabar. As festas têm esse mau hábito, elas acabam. As pessoas foram se dispersando lentamente, voltando para as suas casas. E ele permanecia compactado no minúsculo sofá, como uma pequena chinesa dentro da caixa mágica de um circo. Meu vizinho fez uma ou duas tentativas de acordá-lo, mas acabou desistindo e indo dormir. E, com isso, nosso amigo, que apelidarei com um nome comum e genérico, vamos dizer, João, permaneceu abraçado a Morfeu.

E então o segundo turno da casa acordou. Os pais, irmãos, crianças despertaram, tomaram café e começaram a brincar na piscina, no entorno do pequeno sofá. Assim como a festa, o sono em algum momento também acaba. No meio da tarde, com o segundo grupo já fazendo o churrasco, bebendo e brincando com os bebês na piscina, João despertou.

Acordou daquele jeito, meio sem saber o nome, onde estava e quanto tempo dormiu. Com esforço, recordou-se da festa. Ouviu os barulhos ao redor, confirmando a sua conclusão, e abriu os olhos lentamente, para aquela luz dolorida.

O susto foi enorme. Ao seu redor, mudaram todos. Ele não sabia o que tinha ocorrido. Dormiu em uma festa e acordou noutra. Virou protagonista de um conto de realidade fantástica. Coração disparado, o gigante desdobrou os braços e pernas adormecidos e queimados, colocando-se de pé. Demorou vários instantes até perceber o que havia ocorrido.

Com altivez, abraçou a sua vergonha. Cumprimentou a todos, que lhe devolviam aquele pequeno sorriso onde estava embutida a frase “quem nunca…” e caminhou, sob o Sol que tudo testemunhou, para casa.

Um ano que já iniciou, para ele, inesquecível.

Comentários