Dizem que o crítico deve guardar certa distância entre ele e a obra que analisa. Isso mantém a objetividade e impede que a crítica vire um jogo de eu gosto/não gosto, com o uso de alguns termos técnicos no meio do texto apenas para lhe dar alguma credibilidade.
A Cabana é daqueles livros que eu “não li e não gostei”. Assim, fui assistir ao filme com os dois pés atrás. Estava preparado para não gostar dele e tentando me condicionar a não escrever uma crítica destrutiva, coisa de que nunca gostei.
Com quarenta minutos do filme eu estava chorando. Aquele choro “masculino”, sem dar muita pista para quem está ao lado, fingindo que os olhos estão apenas suando.
A Cabana trata de dois temas básicos que são sensíveis a todos os que amam: a perda e a maneira como lidamos com ela. Essa dor é universal, nos une e nos coloca em pé de igualdade. Cada pessoa que está lendo esta crítica, provavelmente, já perdeu alguém.
O filme é dominado pela figura de Sam “Avatar” Worthington. Mackenzie, personagem que interpreta, aparece em praticamente todas as cenas. Ele está submetido à “grande tristeza”, nas palavras empregadas no próprio filme. Embora ele não seja um ator brilhante, atua de forma consistente e concede credibilidade ao seu personagem. Isso, ao fim e ao cabo, é o que importa. Se a atuação dele falhasse, o filme estaria fadado ao naufrágio.
O resto do elenco praticamente serve como apoio. Octavia Spencer, que ganhou o Óscar de melhor atriz coadjuvante por Histórias Cruzadas, é excelente atriz e faz um “Deus” sábio e descolado. Radha Mitchell, que interpreta a mulher de Mackenzie, aparece pouco para a sua capacidade como atriz. Ela representa um personagem ao qual o filme não se dá ao trabalho de desenvolver em seus 132 minutos de duração (poderiam ser cortados 20, tranquilamente.
Alice Braga, que interpreta a “sabedoria”, igualmente aparece pouco. A câmera, contudo, a adora. Tenho certeza, embora não a conheça, que pessoalmente não deve ter metade da presença que possui quando filmada. Um fato curioso foi a escolha de Avraham Aviv Alush, um ator israelense e judeu, para a interpretação de Jesus.
A culpa geralmente vive no quintal da perda. A Cabana trabalha com esses sentimentos, dando-lhes uma perspectiva religiosa cristã, com um leve flerte espírita, e aplicando-os ao drama vivido por Mackenzie. Perguntas como “se Deus existe e é bom, por que permite que o mal?” são respondidas por “papa”, um dos apelidos de Deus no filme, assim como por Jesus e pelo Espírito Santo (Sarayu), representado pela japonesa Sumire. As respostas são convincentes? Isso não cabe a mim dizer. Isto é uma crítica de cinema, não um evangelho. Assista e forme a sua opinião.
De qualquer modo, essas questões, por sua universalidade, transcendem o palco religioso e ingressam no filosófico e no nosso cotidiano. Há, por exemplo, além da perda e culpa, cenas que tratam do perdão a si mesmo, do perdão ao outro e da reconciliação com nossos pais. A exploração desses mesmos temas gerou grandes filmes, como O Pescador de Ilusões, Reine sobre Mim e Beleza Oculta (cuja melhor tradução seria “beleza colateral”).
Há um simbolismo explícito na dualidade calor/frio e a aproximação/afastamento entre o personagem e Deus. A fotografia e as locações são bonitas, mas tradicionais e, também, maniqueístas. A intenção clara é demonstrar a feiura e a beleza, respectivamente, do afastamento e da aproximação de “papa”.
O filme é um filho direto do livro. A Cabana foi impresso e distribuído com sacrifício e de forma independente por seu escritor, William Paul Young, e por um bando de leitores que acreditaram na obra a ponto de fundarem uma editora apenas para publicá-la. O livro foi recusado por 26 editoras antes disso. Quando impresso, vendeu 22 milhões de cópias. Se você é um destes “poucos” que leu o livro, certamente gostará do filme. Quem não leu, mas gosta de temas religiosos, igualmente terá diversão garantida. Se você sofreu alguma perda recentemente, vá por sua conta e risco. Leve lenços. Talvez (veja bem, talvez) saia do cinema melhor do que entrou.