A capa brasileira de Leviatã Desperta [Leviathan Wakes, 2011] traz em destaque uma frase de George R. R. Martin: “Uma puta Space Opera”.
Martin, hoje em dia, é o que mais se assemelha a um guru do mundo da fantasia. Um Gandalf da escrita. O que ele diz vira cânone. Nós sabemos, contudo, que essas frases destacadas e fora do contexto são utilizadas como um mero chamariz. Um chamariz caro, pois a regra a cobrar por elas. Outras vezes, sequer representam a verdadeira opinião da fonte citada. Recortam, por exemplo, o início de uma frase, onde se dá o primeiro afago antes de se enfiar a faca da crítica, e esquecem o resto.
No caso de Leviatã Desperta, todavia, a frase corresponde exatamente ao que é o livro: uma puta space opera.
A história passa-se daqui a duzentos anos. A raça humana colonizou o sistema solar e se dividiu em três grandes “facções”: As Nações Unidas da Terra, Marte e o Cinturão, formado por um conjunto de estações que povoa os asteroides marginais do sistema solar. Estes três grandes blocos correspondem, de forma grosseira, àquilo que hoje entendemos como países. A Terra e Marte são os primos ricos, o cinturão é a periferia. Nele, estão os recursos minerais, a mão-de-obra barata e grande parte do trabalho sujo.
Gerações se passaram desde essa “expansão” para o espaço. Tempo suficiente para diferenciar fisiologicamente os humanos que nasceram e foram criados sob a ação da gravidade e aqueles que nasceram e cresceram no espaço.
Leviatã desperta possui algo essencial para a imersão nesse tipo de leitura. Uma construção de contexto que leva em conta aspectos econômicos, políticos, religiosos e sociais. Há um mundo complexo e “James S. A. Corey” o descreve bem, sem ser chato. Mergulhamos naquela realidade de forma natural, enquanto a ação acontece. O mundo multifacetado que descreve é crível e funciona sem que fiquemos nos questionando sobre a sua veracidade.
No livro, acompanhamos a trajetória de dois personagens principais: James “Jim” R. Holden, que vai de imediato da nave de mineração e transporte de água Canterbury à capitão de uma fragata de guerra marciana, depois de uma série de imprevistos e Josephus “Joe” Aloisus Miller, um detetive da estação espacial de Ceres, localizada no Cinturão. A história aborda toda uma série de personagens que gravitam no entorno dos dois e que não descreverei aqui para não tornar o texto cansativo e evitar spoilers.
Há suspense, epidemias desconhecidas, brigas de grandes conglomerados econômicos, guerras, invenções tecnológicas, lutas de naves espaciais, disputas políticas, invasões de estações, suspense, romance, enfim, um pouco de tudo. Mesmo sendo um livro de mais de 650 páginas, a leitura é ágil. Para quem gosta de ficção científica, um prato cheio. Para quem não gosta, uma chance de alterar a opinião.
O romance é o primeiro da série de The Expanse, que está prevista para ter um total de nove obras, dos quais sete já foram lançadas. Foi, também, “convertido” na série de televisão com o mesmo nome. Ela estreou na Amazon Prime em 2015 e está disponível na Netflix. Encaminha-se para a terceira temporada. Fiz o caminho inverso daquele que normalmente faço. Antes de ler Leviatã Desperta, assisti à primeira temporada e gostei. Percebia, contudo, que havia mais história do que o roteiro estava conseguindo passar. Assim, ao ver o livro perdido em uma estante de livraria (não sabia, sequer, que havia sido traduzido), comprei-o de impulso.
O escritor “James S. A. Corey” sofre de um caso concreto de dupla personalidade. James é o pseudônimo para a união de Daniel Abraham e Ty Franck (que é amigo de George Martin, donde vem o elogio impresso na capa). Juntos, além da série The Expanse já escreveram outros livros, como Honra entre Ladrões [Honor Among Thieves], que pertence ao universo expandido (legends) de Star Wars.
Se você procura um livro de ficção científica divertido, bem escrito e com aquele “poder” de transportar o leitor para um lugar diferente daquele onde está, Leviatã Desperta é uma boa opção.