A dor da perda

A dor da perda

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A morte nos ronda com laços cada vez mais estreitos, mas fingimos estar no campo aberto da paz.

Ele tinha vinte anos e chegava em casa, voltando da faculdade, por volta das onze da noite. Lutava jiu-jitsu, mancava por ter problema em uma das pernas e dava aulas em um projeto social. Parou para conversar com um amigo, quase em frente à sua casa, e foi abordado por um assaltante, que pediu os celulares. Tirou o telefone do bolso e deu um passo. Como mancava, o movimento soou brusco e assustou o bandido, que atirou. O amigo presenciou tudo.

Em um parágrafo estúpido foi narrado o fim de uma vida imensa.
A capacidade de adaptação foi uma das características que permitiu a humanidade prosperar e se tornar a espécie dominante na Terra. O problema é que ela também nos faz acostumar a situações de iniquidade e injustiça.

Li a notícia sobre o crime acima com indiferença. Apenas mais um latrocínio, na minha cidade. O nono nos dois primeiros meses do ano. Passei para a próxima notícia. E, então, soou aquele alarme. Como assim, apenas mais um latrocínio? Voltei e reli a notícia, tentando enxergar as pessoas por trás do texto.

Essa tragédia pode ser analisada por vários ângulos. O nosso, como sociedade. A nossa impossibilidade coletiva de evitar, com políticas sociais, e reprimir a violência. O da vítima. O do criminoso. O do amigo. Mas vou me deter no do padrasto. É a figura dele, o homem que criou a vítima estupidamente morta, aquela com a qual mais me identifico como pai.

Toda a vez que o seu filho abre a porta de casa pela manhã, ele não está saindo para o colégio, para o trabalho ou para se divertir. Ele está saindo para o futuro. É isso que esperamos. Estar ao lado dele, vendo-o crescer, ser feliz, sofrer, casar, ser pai… Esperamos que a bela rotina da vida se complete.

Não existe uma escala para o tamanho da dor de perder um filho, quanto mais por um ato de violência inesperada e imbecil.

Como esse pai poderá lidar com o sofrimento?
Ainda não encontramos uma fórmula universal para nos ajudar a atravessar o mar de tristeza da perda, mas tanto as religiões quanto a filosofia tentam nos jogar boias, enviar barcos e indicar correntes favoráveis para evitar nosso afogamento.

Os budistas e os estóicos, por exemplo, ensinam que não devemos nos apegar. O apego e o desejo levariam invariavelmente à desilusão, ao desencanto e ao sofrimento, pois o mundo está sempre em movimento. A impermanência das coisas frustraria, em algum momento, nossa expectativa de continuidade. Um casal de amantes, assim, estaria fadado a ter uma ou duas pessoas em sofrimento.

O budismo, é bom deixar claro, não nega a experiência do amor. Prega a compreensão de que o seu objeto de amor é fugaz. Deves aceitá-lo não como seu, mas como algo que lhe foi concedido naquele instante, sem criar a expectativa de que ele se perpetuará no tempo ou mesmo que o verá novamente.

É uma doutrina, como se vê, mais para prevenir a dor da perda do que para suportá-la.

O cristianismo e o espiritismo, por sua vez, prometem um reencontro na eternidade. A morte seria apenas uma mudança de estado. É uma proposta muito mais tentadora e que pode trazer efetivo conforto para quem acredita nela. Ela requer, entretanto, um exercício de fé.

O que resta aos demais? Viver a cada dia tentando superar a dor da perda, buscando reencontrar o caminho para a serenidade sem que o passado o sufoque ou que a expectativa de um futuro vazio lhe suprima totalmente a vontade de seguir em frente.

Nietzsche doutrinou o “amor ao presente” (amor fati). O passado seria um fardo que você deve retirar dos seus ombros e o futuro uma mera promessa.

Encerro com Luc Ferry, um filósofo francês de que gosto bastante e que escreveu Apreender a Viver, livro no qual parte desta crônica é baseada. Ao resumir o que se extrai do amor fati resumiu:

“Esperar um pouco menos,
lamentar um pouco menos,
amar um pouco mais.”

Um pouco a cada dia.

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