A Prisão das Coisas Inúteis

A Prisão das Coisas Inúteis

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“Ele não tem nada a perder”.

Quando você ouviu isso, sabia se tratar de alguém perigoso ou desesperado. Provavelmente, perigoso e desesperado. Uma pessoa que não tinha mais amarras.

As amarras têm sua função. Impedem que homens ataquem mulheres pelas ruas, que o seu vizinho entre no seu carro e saia andando e que as imensas periferias invadam as ilhas de prosperidade e riqueza.

Elas evoluíram desde as mais simples, que permitiam ao grupo familiar catar comida pelo chão durante o dia e se reunir ao redor da fogueira à noite, até as mais complexas, que possibilitam a existência cidades com milhões de habitantes.

As amarras separam aquilo que você deseja fazer daquilo que você acredita poder fazer.

Imagine o seu cérebro como uma longa linha de produção de ideias. Elas vêm correndo em uma esteira, ladeada por supervisores carrancudos. Um deles é o religioso. Outro o econômico. Há o do medo. O da vaidade. E assim por diante. São muitos. E eles vão acionando alavancas, jogando fora as ideias que reprovam. Essas caem no lixo do subconsciente. O pouco que sai na outra ponta é o que você é.

Você é o que você faz; não o que você pensa poder fazer.

A maioria dessas amarras é cultural. Ou seja, foram ensinadas. E aqui começa o problema.

Uma parte delas é benéfica. Como quando sua mãe lhe dizia, constrangida, para devolver o balde de areia ao amiguinho, enquanto você e ele choravam engalfinhados disputando o brinquedo na caixa de areia. Algumas, contudo, são nocivas e existem apenas em benefício de algumas poucas pessoas.

Sistemas políticos e econômicos inteiros foram construídos sobre amarras falsas. A principal delas talvez seja o “Deus quer assim”. Ela justifica qualquer coisa. Basta você acreditar que quem lhe ensinou comunga da mente divina, algo presunçoso, para dizer o mínimo.

Quero falar, contudo, de uma outra espécie de amarra. Uma mais simples e, hoje, mais poderosa. A amarra das coisas inúteis.

Grande parte das nossas decisões são tomadas em virtude daquilo que podemos comprar ou deixar de comprar. E grande parte dessas coisas são desnecessárias, como um telefone novo a cada ano.

O problema é que para cada opção, há muitas perdas. Uma hora a mais de trabalho é uma hora a menos com os filhos. Ou lendo um livro. Ou passeando com o seu cachorro. Ou plantando uma árvore. É isso que você troca por aquilo que não precisa.

A mão do mercado nos aperta, nos espreme e nos reduz. Seu maior truque é passar despercebida. Acreditamos que as coisas são assim naturalmente. Consideramos que acumular coisas supérfluas é nossa forma ordinária de existência. Não a notamos, mas ela está ali, na linha de produção, mandando embora várias boas ideias e diminuindo aquilo que você é.

As amarras limitam o quanto da vida você pode viver.

Há condenações prontas para quem tenta fugir da prisão das coisas inúteis. Eles são os loucos de todo o gênero, os irresponsáveis, os pródigos… Há vários adjetivos e apenas uma função – apartar do convívio aqueles que não se deixam restringir.

No caixa de banco da sua vida, quantas fichas de tempo, esforço, amores, sofrimentos e desejos você já trocou por coisas que não precisava?

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