A tecnologia como forma de manter o passado

A tecnologia como forma de manter o passado

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“Ver aquilo que temos diante do nariz requer uma luta constante.”
(George Orwell, 1984.)

Temos que encarar a realidade. A tecnologia não está tornando o mundo um local melhor.

Thomaz Robert Malthus, no século XIX, defendia o controle de natalidade. Para ele, a conta era simples. A população crescia numa escala geométrica (ou seja, multiplicava-se) e a nossa capacidade de produzir alimentos crescia numa escala aritmética (ou seja, somava-se). Logo, não teríamos como alimentar a toda população e passaríamos fome. Ele propunha, entre outras saídas, o controle de natalidade.

Malthus não contava com a tecnologia. Ela permitiu que a nossa capacidade de produzir alimentos crescesse no mesmo ritmo da população. Melhor. Ela permitiu que a produção de alimentos excedesse o crescimento da população mundial. Então, tudo deu certo, não? Não. Milhões de pessoas passam fome, enquanto excedentes de comida são jogados fora.

Alexander Fleming inventou a penicilina, por acaso, no ano de 1928. Seu laboratório não tinha as condições adequadas e algumas placas com culturas de bactérias foram contaminadas com fungo, o nosso popular bolor. As bactérias, entretanto, morreram. Descobria-se a penicilina, o primeiro antibiótico industrializado. Depois dele, vieram várias outras gerações de remédios, cada vez mais sofisticados. Resolvemos, então, a maioria dos nossos problemas com infecção, ou não? A resposta não está propriamente atrelada a questões químicas, biológicas ou fisiológicas, mas sim a qual local do globo você mora e a quanto pode pagar pelo tratamento.

Bem, você deve estar pensando, o mundo sempre foi assim. Alguns (poucos) eram ricos, outros (alguns) ficavam numa zona intermediária e o restante (muitos, muitos, DEMAIS) eram pobres.

Algumas obras clássicas de ficção científica tratavam de futuros alternativos e sombrios. A maioria delas, chamadas de distopias, retratava características da própria sociedade na qual o escritor vivia, como em 1984, de George Orwell. As demais obras tinham a crença de que o futuro nos reservava a era da razão. Tecnologias fantásticas resultariam em um crescimento individual e social, conduzindo a evolução da humanidade e eliminando mazelas simples, como a fome e as doenças.

A tecnologia efetivamente tornou o mundo um local mais rápido, mais produtivo, entre outros “mais”. E estas mudanças continuarão. Em alguns anos, estará na sua mão (se você pode pagar) um dispositivo flexível, praticamente inquebrável, com energia para funcionar vários dias e que lhe dará acesso a praticamente todo o conhecimento humano já produzido.

Os escritores, portanto, acertaram quanto aos avanços maravilhosos (pousamos um robô em um cometa a 500 milhões de quilômetros da Terra); erraram feio quanto ao ser humano. Ele está estagnado.
O mundo não está melhor para a maioria das pessoas. E está piorando.

Por quê?

A tecnologia é apenas um instrumento; ela produz resultados de acordo com a vontade de quem a possui.

O nosso modelo atual é uma continuação daquilo que observamos desde o início das grandes sociedades, logo depois que desenvolvemos a agricultura. Há controle econômico por alguns, que geralmente está vinculado a outros controles, como o religioso e ou militar. E todas essas forças estão amparadas na tecnologia. Ou seja, a tecnologia é um instrumento indireto para o exercício deste controle.

Você, que está lendo esta crônica, também está sendo controlado.

É normal que associemos a ideia de “mundo” apenas ao que está ao nosso redor. No seu caso, uma sociedade ocidental e urbana.

O “mundo”, contudo, é bem maior e mais diversificado do que isso. Existem sociedade inteiras à margem do uso de tecnologias básicas, como as aplicadas à agricultura para produção de alimentos. Mesmo em sociedades desenvolvidas, como a norte-coreana, há populações inteiras impedidas de acessar livremente recursos tecnológicos básicos, como computadores ou a internet.

E, então, chegamos ao ponto que dá início a esta crônica. Com ou sem a tecnologia, não estamos construindo um mundo melhor ou mais justo. Não estamos mais solidários. Sequer conseguimos reduzir a pobreza e a desigualdade social.

Óbvio que nunca viveremos uma utopia. Nem todos os benefícios tecnológicos podem chegar a todas as pessoas, senão por outros motivos, por uma questão de custo. Utilizando somente a nossa capacidade de raciocínio, contudo, devemos admitir a existência de avanços que não podem ser negados a ninguém. Pessoas não podem morrer por não possuírem recursos para pagar tratamentos médicos conhecidos e eficazes.

Precisamos fazer uma reflexão desvinculada de ranços ideológicos sobre o mundo que estamos construindo, suportando e perpetuando.

Em benefício de quem estamos fazendo isso?

O avanço da tecnologia não pode ser utilizado apenas como um método de manter o mundo preso no passado.

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