“Aqui é o Oeste, senhor.
Quando a lenda vira um fato, publique-se a lenda.”
(Scott Maxwell, personagem do filme O Homem Que Matou o Facínora)
Nesta semana, reli em um post de uma amiga em uma rede social, a história dos “três filtros de Sócrates”. A história é ótima e diz mais ou menos o seguinte.
Sócrates, conversando com um conhecido, interrompeu-o antes que fosse falar de um amigo comum. Pediu para ele refletir se a história que contaria passava pelos três filtros. O primeiro, era o da verdade. Ele tinha certeza que a história era verdadeira? O segundo, era o da bondade. Ele estava contando aquela história com o intuito fazer o bem? O terceiro, era o da utilidade. A história seria de alguma maneira útil para o interlocutor?
Os três filtros se aplicam como uma luva na imensa maioria das postagens da Internet, principalmente aquelas dos amigos (amigos?) raivosos e desinformados. Fiz uma breve pesquisa e encontrei dezenas de textos que fazem referência aos três filtros, incluindo crônicas, desenhos e artigos, em sites dedicados à filosofia, que exortam as pessoas a agir como Sócrates, refletindo antes de dizerem (postarem) algo.
O problema é que a história não é de Sócrates.
Não há referência aos três filtros nas obras de Platão, Xenofonte e Aristófanes (aqueles que escreveram sobre Sócrates, já que não conhecemos textos escritos pelo próprio). Provavelmente, alguém só quis dar um “lustro” filosófico a estas regras sobre ética no discurso. Só que desconsiderou totalmente a ética na hora de atribuir a história a quem com ela não tinha qualquer relação.
Essa vinculação a textos e ideias que não são suas é um mal que atinge escritores e pensadores vivos e mortos. Se Luis Fernando Veríssimo e Clarisse Lispector produzissem um oitavo do que lhes é atribuído na Internet, deveriam ter passado uns trezentos anos escrevendo com quatro braços e duas cabeças.
A partir do nosso “pecador” original, que não resistiu a incluir o Sócrates na jogada, enfileiram-se os problemas. Ele ganhou centenas (talvez milhares ou milhões) de seguidores, potencializados pelo poder da Internet de distribuir a informação.
Em regra, todos os que publicam, compartilham ou reproduzem a história dos três filtros querem dar uma pequena “lição de moral”. E ela cai por terra ao compartilharem algo que, reduzindo-se, é uma mentira. Não é irônico?
Hoje, praticamente ninguém que recebe mensagens, principalmente aquelas pomposas, de cunho moral, político ou mesmo com uma fofoca da amiga, se dá ao trabalho de checar a fonte ou a veracidade (olha o primeiro filtro aí!). Esse procedimento deveria ser automático, mesmo para aquele que quer propagar informações apenas entre os seus amigos. Ao repassar uma mentira, vamos deixar claro, você se torna partícipe dessa conduta – querendo ou não, tendo ou não boas intenções.
E a história dos três filtros, afinal?
A referência mais antiga que consegui rastrear é o pequeno conto “Não é preciso mentir”, que consta n’O Livro das crianças, escrito em 1931 pelo Português António Tomás Botto. Quem tem curiosidade, pode acessar o blog “Na verdade, … EU NÃO SEI!!!”, que traz mais informações sobre a pesquisa.
A Internet está nos soterrando com informações equivocadas. Se, individualmente, não reagirmos, acabaremos afogados nessa onda de desinformação e maledicências.
Para finalizar, quando recebemos alguma publicação ou mensagem que, constatamos, não passaria pelos três filtros, sempre podemos usar aquela frase de Freud:
Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo.
Só que a frase não é de Freud. É de Lisa Lise Bourbeau
1Publicado pela Biblioteca Nacional Portugal, Lisboa, 1999, p.25.
2 http://naveeunaosei.tumblr.com/post/9715563215/o-filtro-triplo.