As redes sociais, na análise mais favorável e ingênua, tornaram-se uma mistura de palco, fonte de informação e tribunal. Todos juntos, sintetizadas em postagens de poucas linhas. Uma mistura aparentemente impossível, mas que tornamos factível excluindo da equação o compromisso com a verdade, o juízo crítico e o respeito ao próximo.
Você recebe e repassa rapidamente alguma informação. Gosta dela. Quer acreditar naquilo, pois se amolda aos seus conceitos e preconceitos. Não reflete ou verifica se é verdade. Faz isso rápido, para mostrar primeiro aquilo aos seus amigos e conhecidos, como se fosse um jornalista tentando dar o “furo”. Faz também para deixar claro que aquilo é “o que você pensa” sobre o assunto.
Essa versão das redes sociais, entretanto, acabou há uns cinco anos. De lá para cá, empresas conseguiram reunir informações suficientes e desenvolver algoritmos que permitem manobrar de forma muito eficaz a propagação das informações.
O que antes era feito de forma amadora, “vou lançar esse boato, espalhar em alguns perfis falsos e ver no que dá”, hoje é feito com profissionalismo, certeza e precisão. Eleições estão sendo influenciadas, senão decididas, por meio da utilização destes mecanismos. A última eleição para a presidência do Estados Unidos é um grande exemplo.
Deixamos de ser apenas vaidosos, ignorantes e irresponsáveis. Agora também somos peças na engrenagem de disseminação de ideias com fins específicos. Mentecaptos robotizados a quem é dada a ilusão de autodeterminação.
Querem uma prova?
Eu dou.
Uma mulher é brutalmente assassinada. Ele tem uma filha e uma mãe. O mentecapto não conhecia qualquer uma delas. Não sabia nada sobre o seu passado. Logo depois, o mentecapto as encontra em um espaço público. A primeira coisa que diz não é uma palavra gentil de pêsames ou a sua tristeza pelo crime violento. Ele vocifera que a mãe/filha morta era uma criminosa (mesmo sem saber disso) e diz que outras pessoas muito melhores morrem todos dias.
Parece ruim, não? Você jamais seria capaz de fazer isso.
Mas já fez. Senão nesse caso, em outros.
Quanto à Marielle, morta covardemente com quatro tiros na cabeça, cada postagem pública colocando em dúvida (sem qualquer fato objetivo) a sua honra e honestidade, é lida por sua filha, mãe, amigos e parentes. Não se enganem. Essas mensagens chegam a eles. E ferem. Cada mensagem contém implícita, ainda, a seguinte lógica: ela era “bandida” e, por isso, merecia morrer.
Há também, outras postagens que comparam a morte de Marielle com a de outras pessoas. Vítimas anônimas da nossa insuportável violência urbana. Nestas postagens, a lógica é ainda pior: os nossos mortos são melhores que os seus.
Cada morte é um absoluto. Um universo de vida que se extingue. Um momento que exige reflexão, decoro e respeito.
Ao fazer esse tipo de postagem, saiba que você está entrando como um boi no rebanho do jogo sujo da propaganda política. Tão sujo, que chega a dividir cadáveres entre os nossos e os deles, dando mais valor a um do que aos outros. A esquerda busca em Marielle um símbolo, que ela pode ou não se tornar. O tempo dirá. A direita quer impedir que isso aconteça. A eleição está muito próxima e o poder dos símbolos é decisivo.
Saia desse jogo. Pense. Critique.
Não seja o mentecapto.