A maioria das pessoas pensa que a filosofia é para acadêmicos, para os loucos ou para os chatos. Para falar a verdade, a grande maioria acha que é para os acadêmicos loucos e chatos.
Mas estão enganados.
As principais questões filosóficas são simples. E profundas. Perguntas que a humanidade passou a formular desde que sistematizou o pensamento com a linguagem… Bem, estou sendo um pouco chato e o objetivo não é esse.
Meu ponto é que as grandes questões filosóficas são perguntas que já nos fizemos diversas vezes no correr da vida. Quem somos? Existe vida depois da morte? Deus existe? Minha vida não seria um sonho? Existe o destino? O que é o amor? Como ser feliz? O que é a felicidade?
Um pouco da resistência aos filósofos se dá pelo fato de considerarmos suas proposições de pouca utilidade prática. É que no correr da vida, essas perguntas vêm sempre sob camadas de entulho daquilo que consideramos o “real” problema.
A fulana não me liga há um mês e está saindo com o Beltrano. Será que ela me ama? (Claro que não, você precisa refletir sobre o seu conceito de amor.)
Fico no meu emprego ou largo tudo e vou vender miçanga viajando pelo mundo em uma Kombi? (Depende do seu conceito de felicidade. Segurança ou adrenalina da aventura combinada com um permanente serviço de mecânica?)
A vida é complexa e acaba empurrando um monte de palavras para dentro daquelas frases e perguntas simples. E tudo permanece assim, confuso, difícil de responder e perdido na semântica.
Até que você vira pai.
As crianças têm o dom de assoprar para longe toda essa névoa que encobre as verdadeiras questões. E, de vez em quando, elas nos atiram alguma dessas perguntas, como se fossem facas.
A Júlia, minha filha de quatro anos, é perita nisso. Dia desses, a família estava em um agradável passeio de domingo. Tínhamos comido uma pizza e estávamos indo tomar um sorvete. Ao lado da sorveteria, em um muro baixo, estavam sentadas duas crianças. Uma menina de cerca de onze anos, vendia panos de prato. Junto com ela, o irmão. Um menino da idade da Júlia, um pouco sujo e de olhos lacrimosos. Minha mulher perguntou se eles queriam sorvete. Mas essa era a pergunta errada.
A Júlia olhou para um lado, olhou para o outro, chegou bem perto da menina, olhou-a nos olhos e, levemente, espantada, perguntou.
— Onde estão os teus pais?
A menina não respondeu. Puxei a Júlia para a sorveteria, a fim de evitar um constrangimento maior. Lá dentro, ela me olhou com o mesmo espanto e me perguntou.
— Quem está cuidando daquelas crianças?
Essas eram as perguntas que importavam. As que não fiz. Exatamente aquelas que fazem diferença.