“Chaváska” Croácia!

“Chaváska” Croácia!

Download desta Crônica em PDF

A atendente, com cabelos cacheados castanhos e um rosto cansado, mas ainda bonito, olhou-me fixo e disse.

— Você é o meu tipo preferido de cliente.

Constrangido, gaguejei algo incompreensível num dialeto entre o português o inglês e sorri um sorriso incerto. E então ela arrematou.

— O último.

Meu sorriso se transformou em algo genuíno. As nossas mulheres guardam as malas no grande salão deserto do aeroporto, naquele início de madrugada. Vínhamos de uma série de voos cancelados e atrasos, que nos trouxeram, aos trancos e barrancos, de Amsterdã, passando por Zagreb, até Split. Ao chegar, exaustos, descobrirmos que a locadora de automóveis miraculosamente ainda estava aberta, aguardando a chegada do nosso voo. Com isso, ao invés de algum hotel barato ali perto, conseguiríamos pegar nossa van e a estrada, varando a noite até quase o amanhecer em direção a Dubrovnik.

Aquela era uma viagem que começara muito tempo antes.

Um amigo (cuja identidade preservarei com o apelido de Megamente) trouxe-nos uma ideia ousada: velejar pela costa da Croácia, embarcados em um catamarã, como uma tripulação. Ele já tinha prática em velejar regatas com barcos grandes. Para o resto de nós, a experiência restringia-se a navegar de boia entre as bordas de uma piscina. Rimos um pouco com a possibilidade e depois passamos a outro assunto, levados por caminhos etílicos.

Eu não percebi, mas uma semente havia sido plantada na Minha Vontade (para os que não nos conhecem, esse é o apelido da mulher maravilhosa com quem divido a vida). Minha Vontade adora viajar. Mais do que isso. Adora viajar para locais inusitados e está sempre pronta a aceitar convites que envolvam fazer as malas.

É um lugar comum dizer que as distâncias se encurtaram em um mundo riscado por estradas, pontes aéreas, rotas marítimas e ferrovias. Um mundo onde a informação se esparrama pela terra através de sinais de digitais de antenas e satélites. Mesmo assim, a imensa maioria das pessoas não sai do quintal das suas casas ou do quintal das suas mentes. A Minha Vontade, se pudesse, moraria do lado de fora do quintal.

E a semente germinou, sob o entusiasmo dela e da Arlequina (nesse universo cruzado de histórias em quadrinho, a esposa do Megamente). Virou um projeto grande e complexo, que envolveria três casais.

A escolha do terceiro casal era crucial. Ficaríamos confinados em um barco, dividindo tarefas em um espaço minúsculo, com a possibilidade de problemas a qualquer instante. Mesmo o Amyr Klink, com toda a sua experiência, quase jogou um dos parceiros pela amurada quando fez sua primeira viagem longa com tripulação, na estreia de um dos seus barcos. É uma situação em que você não pode abrir a porta e sair para dar uma caminhada e espairecer a cabeça (a não ser que sua opção seja nadar).

Depois de grandes discussões e sondagens, chegamos aos nomes ideais: Penélope Charmosa e Peter Perfeito.

Penélope teve algumas dificuldades, é verdade. Uma delas foi a mala. Combinamos de levar bagagens pequenas e leves, para agilizar os deslocamentos (que eram muitos). Ao fim e ao cabo, na mala dela cabia o corpo de um adulto obeso desmembrando. Acabou levando até um ferro de passar roupa. Sim, só o essencial, como dizia.

Aliás, uma das graças da viagem foi conviver com o casal da corrida maluca, que vive se provocando o tempo inteiro, como dois adolescentes disfarçando que amam um ao outro.

A minha primeira reação a tudo isso, obviamente, foi comprar livros. Há pouca oferta de obras sobre a riquíssima, como vim a descobrir, história da Croácia. Ela passa por eslavos imigrantes, romanos, húngaros, mongóis, otomanos, austro-húngaros, venezianos, ingleses, alemães, russos, fascistas, comunistas, liberais… Até o exército de Bonaparte esteve lá. De todos, o melhor disparado é o escrito por Marcus Tanner. Como dizem os jovens, #ficaadica.

Viagens e livros. Essas são as formas clássicas de expandir gradativamente nossas fronteiras. Há outras. Mídias digitais em sua maioria. Mas as viagens, para mim, são inigualáveis. Elas são sensitivas. Nos dão o calor do sol e o frio que queima a pele. O sabor da comida e o gosto da bebida. Mais do que isso, são experiência compartilháveis, em especial quando você tem a sorte de viajar com quem gosta. Há partilha de momentos ruins, que depois viram memórias hilárias, e bons. Como descrever para outros a sensação de ser acompanhado por golfinhos gigantes em alto-mar, como nos aconteceu.

Pois bem. E a viagem?

Foi incrível.

Sim, eu sei. Esse adjetivo genérico é uma decepção para quem quer detalhes. Escrevi um longo diário, narrando o nosso dia a dia. Talvez eu a transforme em um texto. Talvez não. Dependerá da minha preguiça literária.

Durante todos os nossos brindes (e foram centenas, quiçá milhares), tentamos aprender como dizer “saúde” em croata. Nunca conseguimos. Quer por dificuldade intelectual, quer pelas dificuldades da língua, quer pelas facilidades dos efeitos do álcool, algo nos impedia de fixar o som da palavra (Živjeli, que se pronuncia mais ou menos com “jivilei”, vejo agora no google). Ao final, desistimos e passamos a inventar expressões novas a cada brinde. Foi uma série de “Sbórnia”, “Schwarzenegger” e outras, entremeadas de risos.

“Chaváska” Croácia!

Até a próxima.

Comentários