As pessoas olham com piedade para você quando entras no cinema sozinho. Há um carimbo social nesse programa. Ele deve ser desfrutado com os amigos ou em casal — ou então por perdedores solitários.
Eu gosto de ir sozinho ao cinema em duas situações. Em filmes pelos quais espero muito e que exigirão minha integral atenção, racional e emocional, ou em filmes ruins que adoro amar.
Nos primeiros, quero estar concentrado. Imergir naquela experiência. Não desejo contato com o mundo exterior. Foi assim, por exemplo, em Star Wars, a Ameaça Fantasma. A franquia voltava às telas mais de quinze anos depois do último filme. Eu queria viver aquilo integralmente. Para meu azar. Antes tivesse levado alguém para segurar minha mão naquele naufrágio cinematográfico.
E há os ruins maravilhosos. Nestes, não quero comprometer ninguém com o meu mau gosto. Não quero a culpa pelas mudanças impacientes na cadeira, pelas bufadas provocadas pelo roteiro previsível ou pelas risadas quando os atores queriam transmitir dor e vice-versa. Quero sentar no cinema e me divertir, sem a culpa pela infelicidade de quem arrastei comigo.
A franquia Rocky está nesta categoria. Já subi correndo os setenta e dois degraus da escadaria do Museu de Arte de Filadélfia e fiquei dando pulinhos com os braços para cima. (Pedi para a minha filha filmar e, quando estava pulando lá em cima, vi que ela passeava com a câmera ao redor. Perguntei, chocado, o que tinha ocorrido e ela disse que parou de filmar a subida no meio, pois estava monótono, e resolveu desviar para a paisagem, que era mais interessante. Ela ainda está tentando me convencer a voltar a ser minha herdeira.)
Na semana passada, aproveitei que a minha mulher estava viajando e minha filha menor estava dormindo na avó. Comprei uma cadeira central em uma sessão de Creed II e foi abraçar o meu adolescente interior. Antes, óbvio, tomei alguns chopes. Ver Rocky sóbrio pode ser uma experiência emocional muito dura. Já se vão oito filmes, que me acompanham desde a infância. É como se preparar para visitar um amigo com o qual você se importa e que está velho, doente, triste e meio amargo.
Creed II não decepcionou. É um excelente filme ruim. Confesso que demorei um pouco para entrar no clima, pois a história estava previsível demais. É aquele tipo de roteiro que já vimos algumas (muitas) vezes. (ALERTA DE QUASE SPOILER.) O mocinho é totalmente senhor de si. Vem alguém com mais vontade. Ele apanha. Quase morre. Encontra força interior nas pessoas que ama. Treina, volta, luta de novo e finalmente ganha. (Não, não estou descrevendo Pantera Negra). Lá pela metade do filme, contudo, eu já estava envolvido por aquelas sensações adolescentes. Dava socos com Creed e torcia para ele ganhar, enquanto a parte racional do meu cérebro olhava-me com ar de recriminação e perguntava-me com desconfiança: “Você sabe que ele vai ganhar, não é? Pois se não sabe, estamos com problemas aqui”. O resto do meu cérebro, porém, não se importava com aquele chato.
Ao final do filme, cansado e sob efeito do estresse emocional, levantei com alguma dificuldade. Um homem que estava sentado três cadeiras para o lado também se ergueu sob o peso da emoção e me olhou. Mesma idade. Mesma altura. Olhos meio mareados.
Nunca o tinha visto, mas imediatamente nos identificamos. Estávamos na mesma situação. Ele deu um passo na minha direção, nos cumprimentamos. Encarou-me fixo e disse: “Du caralho!”. Quase nos abraçamos, mas aí seria demais. Fomos embora, acompanhando o fluxo.
Foi uma boa noite.