Existem empregos que habitam os sonhos da classe média. Profissões que os pais trabalhadores querem para os filhos. Posições que unem estabilidade, prestígio, dinheiro e, se possível, poder.
Na Europa, durante o final da Idade Média, por exemplo, um cargo que fazia brilhar os olhos da burguesia ascendente ou da aristocracia decadente, era o de coletor de impostos. Nada melhor do que representar o rei, o czar ou o monarca da vez naquilo que lhes era mais sagrado: sangrar os recursos do povo. O coletor era respeitado e temido. Neste processo, embolsava uma parte daquilo que coletava. Mas o trabalho, de qualquer modo, precisa ser remunerado, não?
Dostoiévski, Vitor Hugo, Voltaire, entre outros tantos bons autores, deliciaram-se ao explorar os dramas e as tragicomédias que envolviam essas pequenas ilhas de poder burocrático.
O fetiche por um bom cargo público manteve-se aceso na história, ao lado de outras profissões clássicas, como as médicos, advogados, engenheiros, agricultores e prostitutas de luxo. Basta abrir uma obra de Machado de Assis ou Lima Barreto para se deparar com as brigas pelas posições de tabeliões e escrivães, assim como com toda a nossa herança portuguesa de burocracia e ineficiência.
Esse passado se consolidou no sonho dourado de grande parte da nossa classe média: ser aprovado em um concurso público.
Ou você está estudando para um concurso ou gostaria de estar estudando ou conhece alguém que está estudando.
O concurso é a democratização do acesso ao “Eldorado” de um emprego público. Bom salário, estabilidade, aposentadoria, tudo ao seu alcance. Não é necessário vir de uma família nobre, depender de alguma indicação política ou mesmo se corromper de alguma outra forma. Em tese, tudo depende somente de você. Claro, se frequentou um bom colégio, tem uma família estável e faz três ou mais refeições por dia, o seu caminho é pavimentado e nada tem a ver com a estrada de barro, com predadores à espreita, que está na frente da maioria dos brasileiros. Mas esse não é o objetivo desse texto.
O objetivo é dizer que, na vida, há basicamente duas maneiras de se atingir um alvo.
Na primeira, você imagina o que pretende atingir. Pega a arma que dispõe e atira. Geralmente erra. Ou seja, escolhe um concurso, estuda como um louco e não é aprovado. Tenta mais algumas vezes, com intensidade, e não passa. Essa a forma que geralmente imaginamos, quando tentamos atingir algum alvo. É a maneira rápida e que quase nunca dá resultado. A não ser que você tenha um dom, seja superdotado ou possua superpoderes, esse caminho é um beco sem saída. Você vai tentar até o esgotamento. Depois, vai se jogar com tudo o que tem em outro concurso e continuar errando. Eventualmente, ficará sem energia e desistirá. Ficará sem objetivo. Então, algum tempo depois, tentará novamente. Quando perceber, passaram-se os anos e você continua no mesmo lugar. Talvez, até em um local pior. Há o risco, também, desse ciclo virar um motivo de sofrimento. Levar-se ao esgotamento até um final frustrante seguidas vezes gera uma aversão subconsciente que, por si só, o impedirá de conseguir o que quer.
Na segunda, você atira com o que tem e analisa onde atingiu. Faltou acertar trinta questões? É a partir daí que começa um trabalho metódico, diário e focado. Com calma, paciência e muita, muita persistência, pega a tinta, o pincel e começa a desenhar. Todos os dias possíveis, em horários moderados. Em algum momento, você completará o desenho do alvo no entorno do local onde sua flecha caiu. Essa é a maneira mais trabalhosa, mas é aquela que o levará a algum lugar. Aquela na qual você percebe progressos no correr do tempo. Mesmo não sendo aprovado, você verá que não está parado. A frustração continua existindo, mas você sabe que ela é uma parte do processo de evolução e não o impedirá de continuar.
Esse é o meu recado para você, que está agora de cabeça baixa, enfiada em algum livro, enquanto alguns dos seus amigos estão farreando, alguém está vendo Netflix na sala ou sua filha está pedindo atenção. Você, cansado e achando que o nirvana da aprovação no concurso público está tão distante quanto a sua eleição para a presidência… Desculpe, mal exemplo, até o Trump conseguiu essa e o Temer está lá. Vamos de novo: você está tão distante quanto ganhar um salário médio de jogador de futebol… Opa, mal exemplo de novo. Bem, você entendeu o espírito, não é?
Continue desenhando.