Melhor é ser infeliz e saber a verdade,
do que ser feliz e viver.., nas nuvens.
(Fiódor Dostoiévski, O Idiota
O alicerce fundamental da personalidade de um idiota é o desconhecimento da sua idiotice.
O idiota não se olha no espelho e pensa “estou vendo um idiota”. Se pensa, já evoluiu. Foi capaz de uma autocrítica e deu o primeiro passo para sair da idiotice. Já o idiota em estado puro, bruto − ou, como se costuma falar hoje em dia, o idiota “raiz” − não reconhece a sua imagem.
A má notícia é que, se você é um idiota perfeito, acreditará que este texto não é para você. E ele é? Não sei, mas você responderá que não. Ou por não ser efetivamente um idiota ou exatamente por ser um.
Em resumo, este é um texto condenado à desconsideração.
A boa notícia é que ser um idiota, por si só, não é algo necessariamente ruim. Vou ser sincero. Quase sempre é, mas excepcionalmente não. Dostoiévski, por exemplo, criou o príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin, um “idiota” inocente, que utiliza como contraponto para demonstrar a sordidez da sociedade russa do século XIX. Este uso do idiota inocente teve profunda influência na cultura popular. Um dos melhores exemplos é o jardineiro Chance, interpretado por Peter Sellers no filme Muito além do jardim [Being There, 1979]. Durante a história, não há uma definição se o jardineiro analfabeto é um gênio ou um idiota.
O problema é que temos milhões de idiotas e pouquíssimos são inocentes.
Mas, afinal, o que é um idiota? Em sua origem grega, a raiz da palavra era utilizada para designar os cidadãos que não se interessavam pela política ou pelos assuntos da polis. Eram aqueles que olhavam apenas para a sua própria vida, enchiqueirados no lodo dos próprios interesses. O qualificativo evoluiu naturalmente para designar todos os que são ignorantes, tolos e estúpidos.
Embora, portanto, ser idiota não seja algo necessariamente ruim, é algo potencialmente ruim. Na verdade, potencialmente muito ruim, tanto para o próprio idiota quanto para quem o cerca. E esta potência é elevada à razão de dez, cada vez que um idiota se junta a outro.
A união dos idiotas é a força social mais destrutiva que existe. Nada resiste ao caminhar de milhões de idiotas unidos. Nem nosso próprio planeta, que está se aplainando sob o peso deles. Terra plana é a paraíso dos idiotas.
Os idiotas sempre estiveram entre nós. Mas a sociedade informatizada, online e com o (des)conhecimento distribuído na nuvem, virou a estufa perfeita para vicejarem novos espécimes de idiotas.
Nas previsões de Issac Asimov, realizadas em um artigo de 1983, no ano de 2019 o computador estaria distribuído pelos lares e seria um meio de distribuição da cultura. Issac estava certo quanto à tecnologia, mas errado quanto à humanidade. Ela não considerou a infinita capacidade que temos de deturpar e virar do avesso boas ideias. Acima de tudo, ele não considerou o poder dos idiotas.
Os idiotas brotam e germinam rapidamente nas toneladas de lixo cultural que circulam a cada minuto nas telas dos nossos celulares. Fornecer esse material estragado virou a especialidade daqueles que querem direcionar o potencial destrutivo dos idiotas para os seus próprios interesses.
O idiota não tem senso crítico. Ele recebe alguma mensagem, aceita-a como verdade e a digere, alimentando e fazendo crescer a própria ignorância. Como nada sabe, não sabe que não sabe e não se interessa em saber que não sabe, agarra-se a qualquer frase solta no seu celular para justificar os próprios maus-sentimentos.
Esse desconhecimento é a via expressa pela qual podem manifestar o seu preconceito, a sua frustração, o seu ódio, a sua inveja, assim como todos os conceitos que são irmãos e primos dos anteriores.
Além do adubo inesgotável do lixo cultural, a comunicação instantânea tornou muito mais fácil para os idiotas encontrarem-se, reconhecerem-se e organizarem-se para chafurdarem em conjunto no pântano das suas ideias.
Ouvem um boato de que dois homens seriam sequestradores de crianças, reúnem-se em uma horda, invadem uma delegacia e lincham dois inocentes, como aconteceu no dia 29 de agosto de 2018, na cidade de Acatlán, estado de Puebla, México.
Idiotas são perigosos.
Além de tudo, o idiota contemporâneo perdeu a vergonha de ser idiota. Ao se expor, recebe os aplausos de outros como ele, que louvam as suas sandices e veem nelas a confirmação dos seus próprios equívocos e da sua imoralidade.
O mundo está sendo tomado pelos idiotas e estamos perdendo esta guerra. Se não os conseguimos convencer que a terra é redonda, não será pela argumentação racional que vamos ganhá-la.
O inverno dos imbecis chegou e a muralha do conhecimento não foi o bastante para contê-los.