Estávamos indo para o jogo, quando o Vadinho falou com uma voz baixa, cansada e irritada.
— Amanhã tenho que levantar às seis.
Era uma discussão interna, que havia resvalado para fora. Resolvi me meter naquela briga do meu amigo consigo mesmo, só para provocar.
— Amanhã é sábado.
Ele ficou meio surpreso, como se eu tivesse adivinhado o que estava pensando. Sequer percebera ter deixado escapar parte do seu diálogo-monólogo mental.
— É, eu sei — E passou a me dar a agenda dele, que iniciava com uma corrida, passava por festa no colégio da filha, almoço, jantar, a revisão de um trabalho e outras coisas mais que já me esqueci.
— Vadinho. Amanhã é sábado. Não vai.
— Aonde?
— Onde tu não quiser.
Ele riu, mudou de assunto e seguimos para o estádio.
A física tem muitos campos “esotéricos”. Aqueles com regras que nossa mente se recusa a aceitar. Um dos mais divertidos é o da relatividade do tempo.
Quando você acelera em um avião, seu tempo passará um pouco (muito pouco) mais lento do que o tempo de quem ficou em terra. Se você vive em uma montanha bem alta, ocorre o contrário. Seu tempo passará mais rápido, quando comparado com quem vive na beira da praia.
Essas curiosidades científicas são interessantes, mas não tem efeitos práticos para quem tem apenas quinze minutos de almoço e um monte de coisas a fazer. O tempo, para essas pessoas, não é relativo, ele é apenas escasso. O dia é uma prisão dividida em vinte quatro horas, que não comporta tudo o que se deve e se quer fazer.
Por eu e você, no nosso cotidiano, muito mais importante do que explicações científicas e demonstrações matemáticas é a percepção do tempo.
Alguns dizem que somos animais racionais. Eu nos prefiro chamar de animais subjetivos. Cada um percebe o mundo ao seu redor de uma forma própria e única. O ponteiro do relógio (quem ainda usa relógio com ponteiros?) passa muito rápido quando temos muitas coisas a fazer. Desloca-se como uma tartaruga preguiçosa levando uma pedra em cima do casco, quando estamos tomados pelo tédio, esperando alguém chegar. Os minutos andam da mesma forma nos dois casos, o que muda é a sua percepção.
Compreender isso é a chave para definir como será o seu relacionamento com o tempo.
Se você deixar, ele lhe impõe um relacionamento abusivo. Coordenará tudo e cada momento seu. Você atravessará o dia apenas para chegar na cama, ligar o despertador e ficar sendo vigiado por este sentinela das horas.
Outros conseguem uma espécie de casamento cansado. Convivem com a cronologia sem amor, mas também sem grandes dissabores. Conseguiram estabelecer zonas de convivência e têm alguns momentos só seus que permeiam a rotina de obrigações.
Raros são o que se enamoraram pelo tempo. Dançam com ele. Tomam em suas mãos o deslizar dos segundos e os convencem a fazer suas vontades. Você deve abrir espaços para esse novo relacionamento com o tempo. Grandes brechas, onde poderá fazer o que gosta — pescar, escrever, ficar com os filhos, namorar, assistir a um filme, seja o que for — da forma mais lenta e significativa possível. Dizer ao tempo que ele é seu e que ele passará prazerosamente.
Alguns pensarão que o nosso relacionamento com o tempo não importa. Ao final, ele nos ganhará. Que depois dos momentos de prazer, virão outros de compromisso, trabalho e obrigações. Virão dissabores. A própria morte estará lá, como um marco, aguardando.
Estão errados. Não competimos com o tempo. Ele nos precede e sucede. O que interessa é o que fazemos enquanto ele está aqui ao nosso lado.
E você, está pronto para apaixonar-se pelo tempo?