Grande demais para quebrar, pequeno demais para viver

Grande demais para quebrar, pequeno demais para viver

Download desta Crônica em PDF

Em economia, há um ditado: too big to fail. Em uma tradução livre, significa algo como “grande demais para quebrar”. Ele se aplica a corporações que, pelo seu tamanho e conexões, não deveriam falir, sob pena de prejudicar toda a sociedade.

É com base nesse ditado e em elaboradas teorias econômicas, que governos fazem jorrar dinheiro público sobre empresas, prevenindo que elas decaiam para a falência ou liquidação. Essas teorias supostamente querem evitar desastres e seus defensores dizem se preocupar com todos.

O que será que eles pensam sobre o Danilo?

O Danilo não existe. Se existisse, moraria perto da Ponte Nova do Guaíba, que liga Porto Alegre ao sul do Estado. Ele teria cerca de 8 anos e moraria numa casa feita com madeiras sortidas, colhidas aqui e acolá. Sua casa, com sorte, inunda pouco no inverno; é assolada por insetos variados no verão.

Já seria mirrado por natureza. A desnutrição, porém, resolveu ajudar a genética a mantê-lo confinado em um corpo magérrimo. Quem o conhece, nunca lhe dá mais do que seis anos. É tão pequeno, que passa por baixo de estatísticas oficiais. Algumas pesquisas não usam uma lupa forte o suficiente; outras desviam o olhar para o lado. Danilo não foi alinhado na largada da corrida meritocrática. Na melhor das hipóteses, terá uma educação muito deficiente, em um lar desestruturado.

O grande problema de Danilo é ser pequeno demais para viver.

As teorias econômicas que poderiam socorrê-lo são descartadas com um sinal da cruz e um sussurrar medroso de “isso é comunismo”. Ele é um gasto. Um constrangimento social. Só adquirirá alguma utilidade quando puder trabalhar e virar mão-de-obra barata. O pessoal do too big nega-lhe sequer uma assistência contra a pobreza, pois terão que subir o valor do salário oferecido pelos trabalhos exaustivos e insalubres que oferecem.

O cálculo a seguir não é preciso. Custaria cerca de quatrocentos mil reais para dar ao Danilo casa, comida, educação, assistência médica, entre outras coisas necessárias a um crescimento sadio, do nascimento aos 23 anos. Achou caro?

No meio a pandemia, o Banco Central Brasileiro anunciou a disponibilidade de um crédito de 1,2 trilhão de reais para ajudar aos nossos bancos. Na crise de 2008, o governo americano torrou 700 bilhões de dólares na ajuda ao sistema financeiro. O governo suíço está disposto a ajudar com 280 bilhões de dólares seus dois maiores bancos privados.

Apenas com a mão amiga que o governo brasileiro generosamente estendeu aos nossos bancos, poderíamos criar 3.000.000 de Danilos.

Esse texto é ingênuo? É. Desconsidera variadas coisas, como, por exemplo, as economias de pequenos correntistas, que se perderiam caso o banco simplesmente falisse.

Mas é como disse minha filha menor, ao comentar as reclamações da maior sobre as adversidades da faculdade: “Mana, é difícil, porque é difícil”. O óbvio precisa ser dito em uma sociedade tão cheia de ruídos.

O provérbio econômico tem um complemento oculto. Ele está ali, claro, embora não dito. E qual é a frase correta?

Too big to fail, too small to live.

Comentários