Eu estava no computador, escrevendo algum texto, como em toda manhã daquele início de verão. A temperatura aumentava minuto a minuto. Estar próximo ao mar não amenizava a sensação de ser um siri preso dentro de uma panela no fogo. Quando estava concentrado, em meio a um parágrafo qualquer, a Ju falou com a sua voz de alarme:
— Ela vai nascer.
A voz de alarme da Ju é a coisa mais comedida que você pode imaginar. Ela é baixa, monocórdia e enlouquecedoramente controlada. E isso só torna mais assustadora, pois eu sei que ela faz isso para não me alarmar, provocando imediatamente o efeito inverso. Naquele tom de voz, está embutido algo como: “não fique nervoso, está tudo bem, mas…”
Eu sou um cético e me esforço para ser racional. Embora partes do meu cérebro tenham gritado “levante já daí! Vai arrumar tudo! Sua filha está nascendo!”, resolvi realizar uma análise crítica da situação. Faltava mais de um mês para a data projetada do parto. A Ju estava cansada. Apesar de terrivelmente grávida, deslocou aquela barriga enorme, que não se sabia como era mantida atarraxada ao corpo por uma pele fina e esticada, faxinando toda a casa no dia anterior. Além disso, queimávamos vivos naquele calor e ela não havia dormido bem. Provavelmente, conclui orgulhoso da minha inteligência, aquilo era apenas um mal-estar. E assim, contemporizei. Relaxei e tentei abordar a questão de forma sutil e delicada, para não a contradizer diretamente. Mulheres são ciosas das suas opiniões, principalmente quando acreditam estar prestes a parir no sofá da sala.
— Amor, tens certeza? O que estás sentindo?
— Dor. Muita dor, desde ontem.
Dizer que está com dor, na parte final da gravidez, é como dizer que uma figueira tem folhas. Tudo dói para as mulheres absolutamente grávidas. Andar, sentar, deitar misturam-se com agulhadas de sofrimento físico. O simples fato de existir muito grávida deve doer. O argumento da dor, então, não era algo que me convenceria, por mais insensível que isso possa pareça. Mas ela arrematou.
— E caiu o tampão.
Com o tampão, caiu também tudo o que eu havia arrogantemente concluído (se você não sabe o que é tampão, pesquise, pois esse não é um texto sobre medicina). Levantei-me em um pulo e só então me dei conta do tamanho do problema.
Estávamos a mais de cem quilômetros de Porto Alegre. Sophia, minha filha de dez anos recém-completados, dormia tranquila. Três cães me olhavam assustados, pois a minha reação quebrou a modorra da manhã encalorada. O maior era um bernese, praticamente do tamanho de um terneiro gordo. Tínhamos chegado à praia no dia anterior. A geladeira estava abarrotada de comida. A casa toda ainda estava bagunçada, com coisas jogadas pelos lados para serem arrumadas aos poucos.
— Amor, estou com contrações.
Resolvi me concentrar no essencial. Minha primeira parada foi com a Sophia, que acordei com o mesmo tom de voz passivo-alarmante que a Ju utilizou comigo. Disse a ela que a irmã estava nascendo, que precisava muito dela e que tinha três minutos para levantar, escovar os dentes, trocar de roupa e pegar suas coisas. Depois, sinceramente, não me lembro direito como fiz tudo. Fechar toda a casa, pegar as coisas essenciais, jogar tudo no carro e partir. Daquele momento, lembro somente da Sophia segurando uma mochila ao lado da porta, com um ar levemente assustado e pronta no tempo que lhe dei.
Mesmo então, confesso, não tinha atingido um grau, digamos, de “alarme alarmante”. No meu primeiro parto, os trabalhos se estenderam por mais de doze horas. Agarrava-me àquilo como parâmetro. Passamos em uma farmácia e compramos um remédio que a obstetra receitou por telefone para reduzir a velocidade das contrações. Ainda fomos a um posto de gasolina. O frentista olhou assustado para a grávida em sofrimento, para a filha com olhar assustado e para os três cães latindo, mas não falou nada. Ou, ao menos, não conseguiu ser criativo o suficiente para elaborar uma frase à altura da cena.
Querendo que a Ju focasse sua atenção em algo objetivo, havia pedido que registrasse o tempo entre as contrações. Não esperava grande efeito prático disso. Quando saímos de casa, as contrações ocorriam a cada dez minutos. Quando saímos do posto e pegamos a estrada, as contrações ocorriam a cada três minutos.
E aí sim eu estava alarmantemente alarmado.
Como tínhamos aqueles mais de cem quilômetros pela frente, perguntei se ela queria voltar e ir ao posto-de-saúde-com-letreiro-de-hospital da praia. Entre gemidos, recusou-se. Jogaria tudo. Seria em Porto Alegre, com a sua obstetra de confiança ou no acostamento da estrada, comigo e com a Sophia fazendo o parto em meio a cães curiosos. Restava-me ligar o pisca alerta e correr o suficiente para evitar que o carro se transformasse em uma maternidade, mas não tanto que nos impedisse de chegar vivos.
Enquanto gemia baixo para não nos deixar mais nervosos, Ju foi trocando mensagens com a obstetra. A primeira notícia ruim era conjuntural. Estávamos no dia 27 de dezembro, bem em meio ao Natal e Ano Novo. Os anestesistas e pediatras estavam ou viajando. Os que não viajaram, recuperavam-se das festas. A pequena minoria que ficou estava ocupada demais cobrindo os turnos dos ausentes. Pior do que isso, uma bactéria havia se instalado nas maternidades da Capital, obrigando a maioria delas a fechar para uma limpeza profunda. As ainda abertas estavam lotadas. Em suma, no meio do caminho, não tínhamos nenhum hospital para ir. Restavam as maternidades públicas, com seu atendimento por ordem de chegada.
Nesse clima de tensão, fizemos a viagem que duraria um pouco mais de uma hora em cerca de quarenta minutos. Entramos em uma Porto Alegre escaldante e vazia. No meio de um viaduto, mesmo com o pisca-alerta ligado, um carro resolveu que não iria me deixar passar. Simples assim. Sem qualquer motivo. Estávamos apenas nós e ele na avenida. Eu ia para um lado, ele bloqueava minha ultrapassagem. Eu ia para o outro, ele ia também. Ficamos nesse balé doentio por um longo período, até ele nos “permitir” seguir em frente. É por isso que as pessoas não podem portar armas. Se eu tivesse uma ali, o final dessa história seria outro.
Finalmente chegamos no hospital que a obstetra nos indicou como o que provavelmente teria vaga. Lá deixei a Ju na porta, sozinha, apenas com a sua carteira e o celular na mão. Sim, sim, horrível. Não havia, contudo, possibilidade de eu largar o carro com os cães e minha filha no estacionamento. Era uma situação sem boas soluções. Corri para casa, onde a Sophia, com as orientações que a Ju lhe passou pelo caminho, fez uma pequena mochila. Enquanto isso, eu trocava mensagens com a parturiente abandonada, enquanto ela se esforçava para explicar aos atendentes do hospital que, se não a admitissem de imediato, a criança cairia no chão da recepção. No caminho de volta, passei em um drive-thru, pois a Sophi, até aquele momento, não havia bebido sequer água. Quando pegava o lanche, a mensagem da Ju foi bem clara. “Venha que está nascendo”.
Corri de volta para o hospital onde ela, finalmente, havia sido admitida. E então sentei a minha filha em um banco de madeira, bem na frente da recepcionista do hospital, com duas mochilas e o meu celular na mão. Disse a ela que, se tivesse qualquer problema, começasse a gritar e ligasse para o celular da Ju, que estaria comigo. Ela tentou fazer um olhar de segurança e tranquilidade, mas somente ressaltou o medo que sentia ao ser abandonada ali. Um jogo de contrastes entre o que se sente e a mensagem que se quer transmitir, como o tom de voz da Ju e meu quando a acordei. Algo que se faz muito em família.
De qualquer modo, em um só dia eu havia abandonado minha mulher grávida no meio da rua em frente a uma maternidade e a minha filha de dez anos na recepção lotada de um hospital. Como eu disse, era uma situação sem boas soluções.
E então fui ajudar a Ju, que me aguardava em uma sala com outras quatro parturientes, duas delas gritando, à espera de uma sala para dar à luz.
Eu deveria esperar que, depois de tudo aquilo, não seria um parto fácil. E não foi. A apesar da grande dilatação e de contrações imensas, que faziam vibrar a cama, o bebê não estava encaixado. Depois de longas tentativas e com a Ju exausta por horas de dor e preocupação com o nascimento prematuro, a solução seria a cesariana ou o fórceps. O parto normal, mesmo com instrumentos, melhorava a estimativa de sobrevida e recuperação de bebês apressados. Assim, ela optou pelo fórceps. E foi com ele que Júlia viu a luz do mundo.
Peguei aquele ser minúsculo e o levei ao seu primeiro compromisso, exames médicos. A vida moderna é assim, já se nasce com consulta marcada. E, depois da certeza de que ela nasceu saudável, retornei para junto da Ju.
Ela me aguardava com um olhar de final de maratona, mas muito nervosa, querendo notícias da filha. E eu, com minha alma de poeta, tranquilizei-a.
— Ela tem mãos de Falcon. Mas as duas têm cinco dedinhos.
Pensando bem, eu jamais casaria comigo mesmo.
Esses dias, ao repassar essa história, a protofeminista de cinco anos que nos deu todo aquele trabalho perguntou-me por que eu não disse que ela tinha mãos de barbie. Não tenho resposta. Referências machistas, provavelmente. É difícil perder discussões para quem tem apenas cinco anos.
E o resto?
O resto ainda estamos vivendo.