Eu olhava para a minha filha e pensava, o que vou dizer?
Abri o vasto arquivo da memória e comecei a tirar vários tomos catalogados. “O que deve ser evitado – Volume I”, “Tudo o que não dá certo – Volume III”, “O que fazer para ser uma pessoa boa – Volume XXXVI”. Empilhei-os na memória, sem saber exatamente por onde começar.
Ela me olhava, com olhos longos, profundos e lindos, esperando atentamente. Eu não podia perder o momento. Quem tem um filho adolescente, sabe como é difícil ter a atenção dele, verdadeiramente, voltada para si, ao invés daquele olhar de enfado, irritante e arrogante, de quem quer dizer: ok, vou te escutar só porque é a minha obrigação, mas és um ser alienígena, que não sabe nada do que sinto ou do que ocorre na minha vida e cujos ensinamentos furados ignorarei assim que estiveres desatento.
O momento era aquele. Eu tinha que dizer frases sábias e que fizessem efetiva diferença na vida dela.
É claro, falhei.
Eu não sei o é que mais difícil: ter sido um adolescente ou ter uma filha adolescente.
Ambos são campos minados sentimentais. Os adolescentes os atravessam praticamente sem refletir. Vão em frente, por instinto. Correm protegidos pela sorte. Pisam em uma paixão não correspondida aqui. São quase derrubados por uma droga ali. Tentam se firmar na bengala da autoestima e por fim sobrevivem, de algum modo. Não sem sequelas. Chegam naquilo que, por falta de um nome melhor, chamamos de maturidade.
Nós, os maduros, quando temos um filho adolescente, utilizamos nossa experiência para… pisar em todas as minas possíveis. Damos instruções erradas, brigamos quando devemos abraçar, rimos quando devemos brigar, exigimos tolerância enquanto mandamos à merda o motorista do carro da frente.
As leis que regem a adolescência são pura física quântica. As partículas adolescentes se comportam como se estivessem possuídas por algum espírito louco e todos tem muitas teorias, ainda mais loucas, sobre esses comportamentos. Ninguém sabe ao certo o que ocorre. Se, para viver, diz-se que não foi escrito um manual, para a adolescência ainda não inventamos sequer o alfabeto.
Se pudesse voltar no tempo e recuperar aquele momento que perdi, diria o simples. Assim, correria menos risco de pisar em alguma daquelas minas.
Ninguém está preparado para a primeira paixão. Tenho sinceras dúvidas de se sequer estamos preparados para as que vêm depois. Mas para a primeira, com certeza, não estamos. Ela muda tudo. Adiciona uma dimensão em nossa vida que passa a atravessar os demais assuntos. Estudar fica complicado. Ver TV fica complicado. Mover-se fica complicado. Ficar parado fica complicado.
É ótimo viver isso. É péssimo viver isso. Mais do que qualquer coisa, esse é um processo de descoberta. A adolescência é isso. Uma arqueologia de autoconhecimento. Você começa a cavar e descobrir várias coisas que não sabia estarem enterradas em ti. E, quanto mais cava, mais coisas mais estranhas saem.
Assim, minha filha, aproveite. Tente não fazer o mal para aos outros. Tente não fazer o mal para si mesma. Ame e procure ser amada. Saiba que não é imortal. Carros a 180 por hora dirigidos por amigos bêbados são convites para o outro mundo, se ele existir. Ou, pelo menos, são convites para lugar nenhum. Assim como relacionamentos com quem não gosta de ti.
E, filha, passe de ano. Senão…