Um ditado diz que crianças têm o seu barbeiro, enquanto homens têm alfaiates. Não lembro a fonte. Talvez eu tenha inventado a frase. O fato é que mantive relações duradouras com meus barbeiros e nunca fui a um alfaiate. Isso pode ser um sinal de imaturidade, de falta de dinheiro ou de ausência de estilo. Prefiro não saber.
Minha barbearia ficava em uma avenida a uma quadra da minha casa. Era minúscula. Seu proprietário tinha nome de filósofo grego. Possivelmente, foi isso que me atraiu inicialmente no cartaz simples e desprovido de imaginação.
Barbearias não são salões de beleza. Elas precisam daquela austeridade espartana, que envolve o homem em uma aura de testosterona, mesmo quando se submete e um procedimento estético. Pelo menos era assim na minha geração. Eu vejo que agora proliferam as barber shops, lojas descoladas e temáticas. Desconfio delas, embora reconheça que oferecer cerveja durante o corte foi perceber um nicho de mercado. Tudo que envolve homens e cerveja é um nicho de mercado.
Mas voltemos ao nosso barbeiro filósofo. Naquela época, eu ainda não havia assumido minha calvície. Pedia para cortar com tesoura meus espaçados fios de cabelo, que insistiam em crescer na árida zona, cada vez mais expandida, da minha testa. O filósofo era um homem “maduro”, para utilizar um termo politicamente correto. Quase contemporâneo do grego ao qual homenageava. Ele se aproximava com mãos trêmulas, que me deixavam de sobreaviso, principalmente quando a navalha passava perto do pescoço. Meus longos anos de treinamento em masculinidade tóxica, entretanto, não me deixava fugir àqueles desafios periódicos.
Um dia, encontrei a barbearia fechada. Soube no bazar ao lado que a doença-que-não-se-menciona o havia levado. Senti como se perdesse a um amigo.
Meses depois, a barbearia reabriu. Dessa vez, sob a administração de um barbeiro com nome de imperador romano. Era um sinal, acreditei. Romanos sucedendo a gregos. A história em movimento. Voltei a ser um cliente habitual. O local continuava o mesmo. O balcão de gavetas tortas, o espelho manchado, as capas puídas e as mesmas revistas de anos atrás. Um refúgio onde o tempo não penetrava.
Eu esperava minha vez, folheando uma das arqueológicas revistas, quando captei a última frase da conversa do imperador com cliente recostado na cadeira.
— Mas daquele homem não se poderia esperar outra coisa. Ele não é temente a Deus.
Como vocês se lembram, a barbearia era minúscula. Levantei um pouco a revista, como se ela fosse um escudo, para me defender daquela conversa. Tudo o que eu não queria era discutir religião e fé com meu barbeiro e um estranho. Eles continuaram no tema por mais algum tempo, cada vez mais veementes em suas falas. Apoiavam-se mutuamente nas recriminações ao herege, que eu nem sabia quem era. Passaram-se os minutos e eu abaixei um pouco a minha guarda. Por sorte, haviam esquecido minha presença ali. Foi então que o Imperador se virou para mim.
— E o Doutor, é o que? Católico?
Ele sempre me chamava de doutor, embora eu não fosse um. Além disso, eu era uns vinte anos mais novo do que ele, o que deixava o tratamento cerimonial ainda mais deslocado. Já havia pedido para ele parar com aquilo. Dei um longo suspiro interno e falei.
— Não.
Esperava que o imperador tivesse sensibilidade e percebesse que minha resposta lacônica continha o alerta para não prosseguir com aquele assunto. Aconteceu o que geralmente acontece quando se aposta na percepção e na sensibilidade. Eu perdi.
— Hum… E o que o Doutor é? Daqueles espíritas?
Aí surgiu uma ponta de raiva. Meu retiro na barbearia, aqueles poucos minutos que eu roubava do mundo normal e da sua fome por compromissos, havia sido desmanchado por aquele interrogatório. E o culpado era o próprio guardião daquele refúgio. Essa ponta de raiva fez-me dizer, definitivo.
— Não. Sou ateu.
Um silêncio espesso e viscoso tomou conta do ambiente. O imperador e cliente olharam-se alarmados. Depois de alguma hesitação, a tesoura voltou a produzir o seu matraquear. Inconformado, o imperador voltou à carga.
— Mas… Mas o Doutor acredita em alguma coisa. Eu conheço o Doutor. Se preocupa com os pobres. É, como se diz, Agnóstico?
Tendo abandonado qualquer esperança de ser deixado em paz, atirei a revista no cemitério de periódicos que era a mesa ao lado.
— Não, não acredito em nada.
Ele não desistia.
— Em nada? Nem em uma força superior?
— Isso sim. Acredito na força eletromagnética.
Aquilo o deixou confuso. O cliente logo pediu para terminar o corte. Pagou apressado e foi embora, fugindo ao contágio espiritual. Eu e o imperador trocamos as palavras necessárias para que ele passasse a máquina com pente zero (ali já havia me rendido a ela). Ele permaneceu calado e sisudo. Já eu permanecia na defensiva. Quando poucos cabelos restavam, não se aguentou e fez uma última investida.
— O Doutor pode não acreditar, mas Deus age mesmo por meio daqueles que negam ele.
Hoje corto as ruínas do meu cabelo em casa, com uma máquina que comprei pelo preço de dois cortes.