Estou no campo, um pouco antes de iniciar a partida e olho para os lados. Sou um dos mais novos em campo. Há dois meninos, por volta dos dezoito anos. Outros dois ou três jogadores, que devem estar na casa dos trinta. A partir daí, a velharia. Eu, na metade dos quarenta, e outros em situação igual ou pior.
Isso se repete por todos os locais onde jogo. Partidas organizadas por amigos, campeonatos, campos de várzea, campos de areia, campos de praça abertos a quem quiser jogar. O número de crianças e adolescentes diminui a cada dia.
Lembro quando eu era menino e ficava à margem do campo, com dezenas de outros da minha idade, louco para jogar. Vendo os adultos se divertirem e me imaginando lá dentro. Driblando. Fazendo gol. Estes meninos se foram.
O futebol ganhou competidores. Veio o videogame. O vôlei, com a geração de prata de Bernard e companhia. O basquete, com a NBA. A especulação imobiliária e a transformação dos campos em prédios. As redes sociais. O eSport. E assim por diante. Cada um retirou um naco dos praticantes.
Essa evolução é normal em um mundo cada vez mais fragmentado. É uma pena, contudo, que nenhum dos seus substitutos consiga cumprir um papel de formação de caráter idêntico ao do futebol.
Em regra, todos os esportes coletivos ensinam a convivência e o respeito à diversidade. Times são miniaturas de sociedades. Há multiplicidade de temperamentos, espíritos e ideias. Você é forçado a conviver e se adaptar com o colérico e com o brincalhão. Com o depressivo e com o animado. Com o forte e o fraco. O rápido e o lento. Convive com brancos, pretos, pardos e amarelos. Não pode se afastar deles, pois são o seu time. São os seus parceiros em um esforço comum. Se algum deles lhe incomodar, não pode dizer um palavrão, virar às costas e ir embora. Não pode “deixar de segui-lo” ou “bloqueá-lo”. Vocês estão juntos e devem apreender a resolver suas diferenças. Devem lidar com isso e ponto. Algumas vezes, as piores diferenças acabavam em socos. Não é o ideal, óbvio, e nem prego isso, mas a questão era solucionada. Fiz grandes amigos assim.
Em uma equipe, você aprende a ver o melhor e a suportar o pior dos outros. Você precisa deles e eles de você. E caminhar junto é melhor do que viver isolado.
Os esportes coletivos tornam-nos humanos melhores. O futebol vai além. Ele é jogado por todas as faixas etárias, por todas as classes sociais e por todos os locais.
Une na quadra do parque o garoto com uma camisa de time que custou o salário do pai do outro garoto, aquele que joga de pé-descalço. Há uma integração e uma aceitação da diversidade. Algumas vezes ela não era pacífica. Na grande maioria das vezes era. Mesmo quando essa integração não funcionava, havia lições, de parte a parte.
O mundo está se fechando em grupos de interesses. Os filhos daqueles que podem, isolam-se em condomínios. Pobres são contidos nos muros invisíveis das favelas. O futebol sobrevive nelas, muitas vezes como uma escada para pular por cima dessa barreira de pobreza. São mundos que, sem o futebol, perdem um dos seus poucos pontos de contato.
O futebol envelheceu. Concluo isso e fico triste.
O juiz apita o início do jogo.