O “Paradigma Magda” está enlouquecendo o Brasil

O “Paradigma Magda” está enlouquecendo o Brasil

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Eu já passei da metade dos quarenta anos de vida. Nasci na época analógica. Hoje vivo na digital. Não sou saudosista. Não fico dizendo, com sorriso de desprezo e olhos perdidos no nada, que no meu tempo as coisas eram melhores. Gosto desse novo mundo. De ter acesso direto à notícia, música e textos. De manter conversas com amigos distantes. De participar de redes sociais.

Viver em um mundo digital, contudo, não significa apenas mudanças profundas na forma como você age e como interage. Significa alterações mais profundas. Modificações que muitas vezes não percebemos. Modificações no código moral.

No mundo analógico, falar mal de alguém significava atacar diretamente essa pessoa. Em resumo, era isso. Não importava se o que você falasse era verdade ou mentira. Uma informação ou uma fofoca. Em qualquer um dos casos, você estava agredindo aquela pessoa. Fazendo um juízo depreciativo dela. Diminuindo ou lançando dúvidas sobre o valor dessa pessoa para os (poucos) outros que participavam da conversava. Justa ou injustamente, você estava disseminando algo ruim sobre alguém.

Hoje, a coisa não funciona mais assim.

Falar de alguém nas redes sociais, mesmo que seja mal, contém um valor em si mesmo. Muitos desejam isso. Provocam isso. Manobram você para que fale mal dele ou de determinado assunto. Por quê? Como isso funciona?

Em primeiro lugar, quando você critica e repassa memes e notícias pelas redes sociais, atinge quem concorda e quem não concorda como seu ponto de vista. Ou seja, mesmo sem querer, você está disseminando a mensagem da pessoa que desaprova.

Quer um exemplo? Alguém faz um comentário racista e você publica indignado a notícia no feed do facebook. Provavelmente, fará com que a mensagem chegue a algum racista que se sentirá quente e confortável por saber da existência de outros preconceituosos. Você servirá como um ponto de ligação entre eles.

Em segundo lugar, se você está criticando, não está falando de outras pessoas ou assuntos. A proliferação de comentários chama a atenção das pessoas que interagem com você. Desperta o interesse de quem estava alheio ao tema e espalha a mensagem, mesmo carregada de ódio, daquele que você queria atacar.

Terceiro, você pode (e está) servindo como massa de manobra para acobertar e desviar a atenção de determinados assuntos. Como? Simples. Vamos supor que, em determinada semana, ocorrerá uma votação importante no Congresso Nacional. Algo que a maioria da opinião pública reprova. Algo em que a pressão popular pode influir. Nessa semana, certamente surgirão as mais transloucadas declarações e gestos. Frases contra crianças, apoio ao feminicídio, notícias de supressão de direitos ou de aumento de impostos… qualquer coisa vale, desde que beire o absurdo. Você reage colericamente. Outros também. A Internet fica lotada desses assuntos. E a votação ocorre sob essa cortina de fumaça. Na semana seguinte, ninguém mais lembra o que estava sendo discutido. A lei votada, contudo, permanece.

E é nesse ponto que estamos vivendo o “Paradigma Magda”, que acabei de inventar.

Ele é um dos motivos pelos quais o Brasil parece afundar cada vez mais na loucura.

O que é? Explico.

Em uma entrevista, a atriz Marisa Orth, a Magda do programa Sai de baixo, disse que, nos primeiros programas, sua personagem comia uma banana e começava a fazer bobagens. Aquilo era engraçadíssimo. Contudo, trinta programas depois, ela tinha que comer um cacho inteiro para fazer o mesmo efeito na plateia.

As pessoas acostumam-se aos absurdos e eles perdem capacidade de despertar a atenção. É então preciso aumentar a escala do desvario, para que se produza resultado igual. Criam-se fatos cada vez piores e mais estranhos, a fim de continuar monopolizando a atenção das redes sociais. E submergimos todos em uma demência coletiva.

Mas isso tudo não é novidade. É, inclusive, uma ferramenta bem desenvolvida em teorias de comunicação social, que ganhou destaque e comprovação no novo mundo digital. Há métricas específicas que avaliam se alguém ou se determinado assunto está sendo comentado, em quais locais, por quantas pessoas e em que momentos. Para essas medidas, não importa o conteúdo dos comentários ou se a pessoa está sendo bem ou mal falada. Importa somente estar em foco.

E eu e você, com nossas cabeças analógicas, continuamos dando destaque a quem queremos que desapareça.

O que fazer então? Nos calamos? Nos omitimos quando alguém diz algum absurdo que agride a dignidade humana ou nossa democracia?

O que devemos fazer é condená-los ao esquecimento. Deixar que escoem pelo ralo do lixo digital. Não mencioná-los e não repassarmos a sua mensagem. E afirmarmos diretamente o que pensamos sobre assunto, contrapondo-nos de forma assertiva.

Talvez assim, em algum momento futuro, tenhamos alta do hospício que virou a discussão pública no Brasil.

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