Por volta dos quarenta anos, acaba o nosso namoro com a imortalidade. Acordamos um dia e ela não está do nosso lado. Foi embora sem dizer nada. Não deixa um bilhete, não dá uma explicação. Sequer diz que foi bom.
Depois da sua partida, a vida muda. Não parece mais um caminho infinito à nossa frente, onde cada passo revela novas possibilidades. Tomar um fora da imortalidade deixa marcas profundas. A principal delas é uma visão mais aguçada.
Levantamos a cabeça e vemos que há algo lá na frente, no fim da estrada. Você não consegue identificar bem as suas formas. Se está longe ou se está mais próximo. Você sabe, apenas, que é o fim. Ele está lá, onde antes nada havia. E você começa, então, a pensar nele.
A certeza de um fim certo define a condição humana; a incerteza quanto ao momento da sua ocorrência define nossas vidas. Crescer, desenvolver, procriar, rir e chorar. Tudo está atrelado a este fim certo, mas incerto.
Em Blade Runner, os replicantes rebelam-se não contra a sua mortalidade, mas contra o fato de a sua morte ter dia e horário marcados. Ouvem cada segundo da contagem regressiva do relógio biológico e isso é enlouquecedor.
Mesmo para os privilegiados que não sabem o lugar que ocupam na agenda da morte, a vida apresenta alguns deadlines. Ela funciona como um editor rabugento na redação de um jornal. Ou lhe entregamos o que queremos até certo prazo ou corrermos o risco de a nossa biografia sair com páginas em branco. Às vezes, até mesmo sem a capa.
A incerteza do exato momento do fim nos dá tranquilidade. Uma falsa sensação de segurança, que nos impede de enlouquecer e sair por aí fazendo o que nos der na cabeça. Ela permite a própria vida em sociedade. É um dos motivos pelos quais permanecemos doze horas por dia em algum emprego maçante, comprimindo todo o restante da vida na parte cansada do dia.
Depois dos quarenta, tateamos a sacola de tempo e começamos a achar que ela está meio vazia. Ficamos ainda mais assustados ao olhar para o lado e vermos amigos cujas sacolas se esvaziaram subitamente. Foram furadas por alguma doença ou perdidas em meio a algum acidente.
Esse é o momento no qual fazemos um orçamento temporal. Vemos o que queremos, o tempo que achamos ter para gastar e cortamos o excedente. Alguns erram grosseiramente na conta, desacostumados que estão a essa matemática subjetiva. Saem de casa, deixam empregos e partem para novas vidas. Alguns, felizes. Outros, para se tornarem miseráveis arrependidos.
A maioria, como eu, faz ajustes. Conclui que não terá mais tempo para aprender mandarim e que precisa gastar/ganhar mais tempo com os filhos ou fazendo alguma outra coisa de que gosta. Cada um possui a sua própria contabilidade e capacidade de interpretá-la.
Certo é, como disse o icônico José Mujica, ex-presidente do Uruguai, que as pessoas têm a falsa noção de que compram coisas e facilidades com dinheiro. Em verdade, compram com o tempo que perderam para ganhar aquele dinheiro. E tempo, ao contrário de dinheiro, é um bem escasso e que fica mais escasso a cada momento, não importa o quanto a riqueza cresça.
Adiante-se, portanto. Diga para a imortalidade que vai comprar cigarro e não volte. Ajeite os headphones e saia andando por sua vida, ouvindo no volume máximo o som de “Testamento”, de Vinicius de Moraes.
[…]
Você que não para pra pensar
Que o tempo é curto e não para de passar
Você vai ver um dia, que remorso, como é bom parar
[…]