Muitas horas da minha vida foram passadas na Rodoviária de Santa Vitória do Palmar. Era um prédio de tijolos à vista, que recebeu pouca manutenção desde a sua construção, que imagino tenha acontecido há mais de cinquenta anos. O saguão central, com o piso gasto, tinha bancos de madeira, como os de Igreja, encostados nas paredes.
Meu ônibus saía às onze e quinze da noite. Sem considerar os três meses de verão, a temperatura variava entre o muito frio e o congelante. Ficávamos espalhados por ali, enregelados e com olhares de cansaço e sono. Malas ao redor. Quase um bando de refugiados.
Passei mais de cinco anos naquele saguão.
Santa Vitória fica no pé do Brasil, junto do Chuí. É cercada de um lado pelo mar e do outro pela Lagoa Mirim. Seu recheio é de espaços de campo aberto. A imensidão verde estende-se até o horizonte, sendo quebrada por pequenos ajuntamentos de árvores. São menos de trinta e duas mil pessoas que se espalham por mais de cinco milhões de metros quadrados.
Quando cheguei à cidade pela primeira vez, fui direto para o hotel que seria minha morada provisória. Havia deixado para trás Porto Alegre, minha casa, meus amigos, minha mulher e minha filha, que na época tinha cerca de um ano.
O quarto inteiro era ocupado por uma cama de casal. Entre ela e todas as paredes, sobrava apenas o espaço suficiente para uma pessoa andar de lado. Tinha um leve cheiro de mofo e a roupa de cama não se destacava pela limpeza, mas sim pelo desgaste.
Havia um boiler no banheiro (uma chaleira elétrica gigante). Aquela era toda água quente que eu tinha. Se ela acabasse, o banho era frio.
Coloquei minha mala no chão (meio inclinada, pois não cabia no espaço entre a cama e a parede) e sentei na cama. Comparei a minha nova morada com o que havia deixado para trás. Suspirei. Para não deixar a depressão pisar ainda mais forte sobre mim, fui trabalhar.
Nos anos seguintes, ia e voltava todas as semanas, em uma vigem que durava mais de sete horas em um ônibus simples. Nada de poltronas que deitassem como camas. Crianças choravam. O ônibus quebrava no caminho. Acordava com um forte cheiro de fritura e notava que, ao meu lado, alguém estava comendo uma coxa de frango frito às três da manhã (quem come uma coxa de frango em um ônibus às três da manhã!?)
Ao contrário do que pode parecer, fiz grandes amigos e fui feliz em Santa Vitória.
As pessoas têm uma ideia estereotipada do juiz, como alguém culto, que ganha enormes salários, trabalha pouco e tem muito poder.
Alguns desses conceitos estão corretos. Outros não.
Mesmo antes de começar, há enormes sacrifícios de tempo e de dedicação. Hoje, praticamente só se torna juiz quem dedica a vida inteiramente a isso. O nível intelectual dos novos juízes é muito bom. Esse modelo, no entanto, exclui pessoas que querem e teriam condições de exercer o cargo, mas precisam trabalhar para sobreviver e alimentar suas famílias.
Ser juiz é ser um solitário. No final, é você, o computador e a responsabilidade de decidir sobre as vidas de outras pessoas.
Você pode dizer que isso é muito melhor do que trabalhar carregando sacos de cimento. Eu concordo. Mas tenho que dizer – ambos pesam em suas costas, de formas diferentes.